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  • RECURSOS REPETITIVOS

PROCESSO REsp 1.820.963-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, por maioria, julgado em 19/10/2022. (Tema 677)

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEMA Execução. Depósito judicial efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros. Consectários da mora. Efeito liberatório. Não configuração. Revisão de tese. Tema 677/STJ.

DESTAQUE
Na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Trata-se de proposta de revisão de tese repetitiva acerca dos efeitos do depósito judicial em garantia do Juízo (Tema 677/STJ).

No julgamento do REsp 1.348.640/RS foi firmada a tese repetitiva no sentido de que “na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada”.

Em que pese tenha constado, na redação final do Tema, a referência expressa à extinção da obrigação do devedor por causa do depósito judicial, observa-se que, àquela ocasião, a Corte Especial não se debruçou, pontualmente, acerca do efeito do depósito sobre a mora do devedor, isto é, sobre a sua liberação quanto ao pagamento dos consectários decorrentes do retardamento no adimplemento da obrigação.

Tanto o é que, em paralelo à tese firmada no recurso representativo da controvérsia, em 21/05/2014, consolidou-se na jurisprudência do STJ o entendimento de que o mero depósito para garantia do juízo, a fim de viabilizar a impugnação do cumprimento de sentença, não perfaz adimplemento voluntário da obrigação, porquanto a satisfação desta somente ocorre quando o valor respectivo ingressa no campo de disponibilidade do credor. Por isso, passou esta Corte a diferenciar o “pagamento” da “garantia do juízo”, para o efeito de incidência da multa prevista no então art. 475-J do CPC/1973 (art. 523 do CPC/2015).

A obrigação da instituição financeira depositária pelo pagamento dos juros e correção monetária sobre o valor depositado convive com a obrigação do devedor de pagar os consectários próprios de sua mora, segundo previsto no título executivo, até que ocorra o efetivo pagamento da obrigação ao credor.

No plano de direito material, considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento na forma e tempo devidos, hipótese em que deverá responder pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros e atualização dos valores monetários, além de honorários de advogado, nos termos dos arts. 394 e 395 do Código Civil. Outrossim, tem-se por caracterizada a mora do devedor até que este a purgue, mediante o efetivo oferecimento ao credor da prestação devida, acrescida dos respectivos consectários (art. 401, I, do CC/2002).

A purga da mora na obrigação de pagar quantia certa, assim como ocorre no adimplemento pontual desse tipo de prestação, não se consuma com a simples perda da posse do valor pelo devedor; é necessário, deveras, que ocorra a efetiva entrega da soma de valor ao credor, ou, ao menos, a entrada da quantia na sua esfera de disponibilidade.

Embora o Código Civil tenha sido lacunoso a respeito do tema, limitando-se a tratar das obrigações de dar coisa certa ou incerta – com o que não se confunde a obrigação de pagar -, o Código dePROCESSO Civil, ao dispor sobre o cumprimento forçado da obrigação, deixa claro que a satisfação do crédito se dá pela entrega do dinheiro ao credor, ressalvada a possibilidade de adjudicação dos bens penhorados, nos exatos termos do art. 904 do CPC/2015.

Na mesma linha, o art. 906 do CPC, expressamente vincula a declaração de quitação da quantia paga ao momento do recebimento do mandado de levantamento pela parte exequente, ou, alternativamente, pela transferência eletrônica dos valores.

Assim, tem-se que somente o depósito judicial efetuado voluntariamente pelo devedor, com vistas à imediata satisfação do credor, sem qualquer sujeição do levantamento à discussão do débito, tem a aptidão de fazer cessar a mora do devedor e extinguir a obrigação, nos limites da quantia depositada. Se o depósito é feito a título de garantia do juízo ou se é coercitivo, decorrente da penhora de ativos financeiros, não se opera a cessação da mora do devedor, haja vista que, em hipóteses tais, não ocorre a imediata entrega do dinheiro ao credor, cujo ato enseja a quitação do débito.

Consequentemente, se o depósito não tem a finalidade de pronto pagamento ao credor, devem continuar a correr contra o devedor os juros moratórios e a correção monetária previstos no título executivo, ou eventuais outros encargos contratados para a hipótese de mora, até que ocorra a efetiva liberação da quantia ao credor, mediante o recebimento do mandado de levantamento ou a transferência eletrônica dos valores.

Evidentemente, no momento anterior à expedição do mandado ou à transferência eletrônica, o saldo da conta bancária judicial em que depositados os valores, já acrescidos da correção monetária e dos juros remuneratórios a cargo da instituição financeira depositária, há de ser deduzido do montante devido pelo devedor, como forma de evitar o enriquecimento sem causa do credor.

Não caracteriza bis in idem o pagamento cumulativo dos juros remuneratórios, por parte do Banco depositário, e dos juros moratórios, a cargo do devedor, haja vista que são diversas a natureza e finalidade dessas duas espécies de juros. De fato, enquanto os juros remuneratórios têm por finalidade a simples remuneração ou rendimento pelo uso do capital alheio (são os frutos civis do capital), os juros moratórios têm natureza indenizatória e sancionadora, que deriva do retardamento culposo no cumprimento da obrigação.

Há de se destacar que o depósito judicial na execução não se confunde com o depósito na ação de consignação em pagamento, que é ação com procedimento especial cabível nas estritas hipóteses do art. 335 do CC/02, em especial quando há recusa do credor em receber o pagamento ou dar-lhe quitação, sem justa causa (inc. I), ou, ainda, quando pende litígio sobre o objeto do pagamento (inc. V). Este apenas tem o condão de extinguir a obrigação do devedor quando para ele concorrer os mesmos requisitos de validade do pagamento, como tempo, modo, valor e lugar (arts. 336 e 337 do CC/2002), sendo que, de todo modo, a Lei Processual garante ao credor a imediata disponibilidade da quantia, como dispõe o art. 545, § 1º, do CPC/2015.

Assim, não se pode atribuir o efeito liberatório do devedor por causa do depósito de valores para garantia do juízo, com vistas à discussão do crédito postulado pelo credor, nem ao depósito derivado da penhora de ativos financeiros, porque não se tratam de pagamento com animus solvendi.

Entendimento em sentido diverso teria o nefasto condão de estimular a perpetuidade da execução, porquanto, uma vez ultrapassado o prazo para o pagamento da dívida – com isenção de multa e honorários advocatícios, no cumprimento de sentença judicial (art. 523 do CPC/2015), ou com o pagamento dos honorários pela metade, na execução de título extrajudicial (art. 827 do CPC) – a menor ou maior duração doPROCESSO executivo em nada influenciaria o valor final do débito, se sua atualização (lato sensu) ocorresse apenas mediante o pagamento dos juros remuneratórios e da correção monetária, devidos por força do contrato de depósito mantido com a instituição financeira.

Assim, na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial.

RECURSOS REPETITIVOS

PROCESSO REsp 1.907.153-CE, Rel. Min. Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF da 5ª Região), Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 26/10/2022, DJe 28/10/2022. (Tema 1135)

RAMO DO DIREITO DIREITO ADMINISTRATIVO

TEMA Servidor público federal. Primeiro período de férias já usufruído. Gozo de férias seguintes. Mesmo ano civil do lapso temporal aquisitivo. Dois períodos de férias no mesmo exercício. Possibilidade. Tema 1135.

DESTAQUE
É possível ao servidor que já usufruiu o primeiro período de férias, após cumprida a exigência de 12 (doze) meses de exercício, usufruir as férias seguintes no mesmo ano civil, dentro do período aquisitivo ainda em curso, nos termos do § 1° do art. 77 da Lei n. 8.112/1990.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A questão central consiste em saber se o servidor tem chancela legal para o chamado gozo de férias seguintes no mesmo ano civil. Noutras palavras, tendo cumprido o período aquisitivo de 12 meses, pretende-se analisar se pode – ou não – usufruir dois períodos no mesmo exercício.

Acerca dessa temática, o art. 77, § 1º, da Lei n. 8.112/1990, prevê que “O servidor fará jus a trinta dias de férias, que podem ser acumuladas, até o máximo de dois períodos, no caso de necessidade do serviço, ressalvadas as hipóteses em que haja legislação específica”, bem como que “Para o primeiro período aquisitivo de férias serão exigidos 12 (doze) meses de exercício”.

No entanto, a interpretação que se conferiu ao tema é a de que o servidor público pode usufruir as férias ainda durante o respectivo período aquisitivo, na conformidade de escala de férias organizada pelo órgão público a que está vinculado, independentemente de isso implicar o gozo de dois períodos de férias no mesmo ano, contanto que já tenha cumprido os 12 meses de exercício. Dessa forma, fica expressamente ressalvado que, havendo necessidade do serviço, a Administração Pública deve formalizar sua negativa em decisão fundamentada, na qual demonstre quais seriam os prejuízos decorrentes do afastamento do servidor nos períodos solicitados.

Por óbvio, a motivação dada pela Administração Pública tem efeito determinante para a sua validade. Bem por isso, apesar de a concessão das férias decorrer da conveniência e oportunidade da Administração Pública – postulado que assegura o equilíbrio entre os interesses da Administração e os dos servidores -, há de se considerar, por todo, que não existe no serviço público federal óbice legal para a concessão das férias na forma que se debate, isto é, dois períodos para o mesmo exercício.

Essa é a leitura que tem sido verberada pelos dois órgãos fracionários do Superior Tribunal de Justiça, responsáveis pelo controle de legalidade acerca do direito público.

PROCESSO REsp 1.896.526-DF, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 26/10/2022, DJe 28/10/2022. (Tema 1074)

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO TRIBUTÁRIO

TEMA Imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens e direitos – ITCMD. Arrolamento sumário. Art. 659, caput, e § 2º do CPC/2015. Homologação da partilha ou da adjudicação. Expedição dos títulos translativos de domínio. Recolhimento prévio da exação. Desnecessidade. Pagamento antecipado dos tributos relativos aos bens e às rendas do espólio. Obrigatoriedade. Art. 192 do CTN. Tema 1074.

DESTAQUE
No arrolamento sumário, a homologação da partilha ou da adjudicação, bem como a expedição do formal de partilha e da carta de adjudicação, não se condicionam ao prévio recolhimento do imposto de transmissão causa mortis, devendo ser comprovado, todavia, o pagamento dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas, a teor dos arts. 659, § 2º, do CPC/2015 e 192 do CTN.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O CPC/2015, ao disciplinar o arrolamento sumário, transferiu para a esfera administrativa as questões atinentes ao imposto de transmissão causa mortis – ITCMD, evidenciando que a opção legislativa atual prioriza a agilidade da partilha amigável, ao focar, teleologicamente, na simplificação e na flexibilização dos procedimentos envolvendo o tributo, alinhada com a celeridade e a efetividade, e em harmonia com o princípio constitucional da razoável duração do processo.

O art. 659, § 2º, do CPC/2015, com o escopo de resgatar a essência simplificada do arrolamento sumário, remeteu para fora da partilha amigável as questões relativas ao ITCMD, cometendo à esfera administrativa fiscal o lançamento e a cobrança do tributo.

Tal proceder nada diz com a incidência do imposto, porquanto não se trata de isenção, mas apenas de postergar a apuração e o seu lançamento para depois do encerramento doPROCESSO judicial, acautelando-se, todavia, os interesses fazendários – e, por conseguinte, do crédito tributário -, considerando que o Fisco deverá ser devidamente intimado pelo juízo para tais providências, além de lhe assistir o direito de discordar dos valores atribuídos aos bens do espólio pelos herdeiros.

Ademais, os títulos translativos de domínio de bens imóveis obtidos pelas partes somente serão averbados se demonstrado o pagamento do imposto de transmissão, consoante dispõem os arts. 143 e 289 da Lei de Registros Públicos, sujeitando-se os oficiais de registro à responsabilidade tributária em caso de omissão no dever de observar eventuais descumprimentos das obrigações fiscais pertinentes (art. 134, VI, do CTN).

De igual modo, a emissão de novo Certificado de Registro de Veículo – CRV supõe o prévio recolhimento do tributo, conforme determinado pelo art. 124, VIII, do Código de Trânsito Brasileiro.

Noutro plano, o art. 192 do CTN, por seu turno, não tem o condão de impedir a prolação da sentença homologatória da partilha ou da adjudicação, ou de obstar a expedição do formal de partilha ou da carta de adjudicação, quando ausente o recolhimento do ITCMD.

Isso porque tal dispositivo traz regramento específico quanto à exigência de pagamento de tributos concernentes aos bens do espólio e às suas rendas, vale dizer, disciplina hipóteses de incidência cujas materialidades são claramente distintas da transmissão causa mortis, evidenciando, desse modo, a ausência de incompatibilidade com o art. 659, § 2º, do CPC/2015.

Desse modo, a homologação da partilha ou da adjudicação, no arrolamento sumário, prende-se à liquidação antecipada dos tributos que incidem especificamente sobre os bens e as rendas do espólio, sendo incabível, contudo, qualquer discussão quanto ao ITCMD, que deverá ocorrer na esfera administrativa, exclusivamente.

RECURSOS REPETITIVOS

PROCESSO REsp 1.891.498-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Segunda Seção, por unanimidade, julgado 26/10/2022. (Tema 1095).

RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR

TEMA Compra e venda de imóvel. Alienação fiduciária em garantia. Registro em cartório. Inadimplemento do devedor. Resolução do contrato. Lei n. 9.514/1997. Incidência. Código de Defesa do Consumidor. Inaplicabilidade. Tema 1095.

DESTAQUE
Em contrato de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária devidamente registrado em cartório, a resolução do pacto, na hipótese de inadimplemento do devedor, devidamente constituído em mora, deverá observar a forma prevista na Lei n. 9.514/1997, por se tratar de legislação específica, afastando-se, por conseguinte, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O debate circunscreve-se à prevalência, ou não, da regra do art. 53 do Código de Defesa do Consumidor em detrimento das disposições legais contidas nos artigos 26 e 27 da Lei n. 9.514/1997, bem ainda os requisitos necessários para a perfectibilização do procedimento de resolução contratual de contrato de aquisição de bem imóvel garantido por cláusula de alienação fiduciária.

Segundo o art. 53 do CDC, ainda que se trate de contrato de compra e venda de imóvel vinculado à alienação fiduciária, não se afigura razoável a existência de cláusula que estabeleça a perda total das prestações pagas em benefício do credor fiduciário que pleitear a resolução do contrato com base no inadimplemento do devedor, pois tal ensejaria inegável enriquecimento indevido dada a retomada do produto alienado e a manutenção, sem qualquer decote ou restituição, dos valores pagos pelo adquirente, ainda que sobejem o montante da dívida.

O diploma consumerista não estabeleceu um procedimento específico para a retomada do bem pelo credor fiduciário, tampouco inviabilizou que o adquirente (devedor fiduciário) pudesse desistir do ajuste ou promover a resilição do contrato. Apenas delineou consistir em prática abusiva a ocorrência do bis in idem acima referido por ensejar enriquecimento indevido.

No outro limite, estão os artigos 26 e 27, da Lei n. 9.514/1997, os quais proclamam que, também na hipótese de inadimplemento, pelo devedor, das obrigações advindas do contrato de alienação fiduciária em garantia de bem imóvel – ou, nos termos da lei (artigo 26, caput) vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante – consolidar-se-á a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.

A Lei n. 9.514/1997 delineou todo o procedimento que deve ser realizado, principalmente pelo credor fiduciário, para a resolução do contrato garantido por alienação fiduciária – por inadimplemento do devedor – ressalvando ao adquirente o direito de ser devidamente constituído em mora, realizar a purgação da mora, ser notificado dos leilões e, especificamente, após realizada a venda do bem, receber do credor, se existente, a importância que sobejar, considerando-se nela compreendido o valor da indenização de benfeitorias, depois de deduzido o quantum da dívida e as despesas e encargos.

Nessa extensão, há, portanto, diversamente do que aparenta, uma convergência entre o disposto no artigo 53 do CDC e os ditames da Lei n. 9.514/1997, pois, evidentemente, em ambos os normativos, procurou o legislador evitar o enriquecimento indevido do credor fiduciário, seja ao considerar nula a cláusula contratual que estabeleça a retomada do bem e a perda da integralidade dos valores, seja por prever o procedimento a ser tomado, em caso de inadimplemento e as consequências jurídicas que a venda, em segundo leilão, por valor igual ou superior à dívida ou por lance inferior impõe, tanto ao credor como ao devedor fiduciário.

Esse procedimento especial não colide com os princípios trazidos no art. 53 do CDC, porquanto, além de se tratar de Lei posterior e específica na regulamentação da matéria, o § 4º, do art. 27, da Lei n. 9.514/1997, expressamente prevê, repita-se, a transferência ao devedor dos valores que, advindos do leilão do bem imóvel, vierem a exceder (sobejar) o montante da dívida, não havendo se falar, portanto, em perda de todas as prestações adimplidas em favor do credor fiduciário.

Nesse sentido, no que se refere ao afastamento das normas do Código de Defesa do Consumidor na hipótese de resolução do contrato de compra e venda de bem imóvel com cláusula de alienação fiduciária, há que se averiguar a presença de requisitos próprios da Lei n. 9.514/1997, a saber, o registro do contrato no cartório de registro de imóveis, o inadimplemento do devedor e a constituição em mora.

Aos demais casos, em que não verificadas tais circunstâncias, não se aplica a tese vinculante que ora se propõe, nada impedindo que, amadurecido o debate em torno da interpretação extensiva do conceito de inadimplemento, possa haver revisão dos limites do presente julgado.

Portanto, a tese proposta não abarca situações em que ausentes os três requisitos: registro do contrato com cláusula de alienação fiduciária, inadimplemento do devedor fiduciário e adequada constituição em mora.

No outro extremo, se inexistente o inadimplemento (falta de pagamento) ou, acaso existente, não houver o credor constituído em mora o devedor fiduciário, a solução do contrato não seguirá pelo ditame especial da Lei n. 9.514/1997, podendo se dar pelo ditame da legislação civilista (artigos 472, 473, 474, 475 e seguintes) ou pela legislação consumerista (artigo 53), se aplicável, dependendo das características das partes por ocasião da contratação.

Alude-se à aplicação da legislação civilista, pois é inegável que nem todos os contratos de compra e venda imobiliária formados com pacto adjeto de alienação fiduciária são regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, notadamente quando a própria legislação especial, que instituiu a alienação fiduciária imobiliária, expressamente permite no artigo 22 da Lei n. 9.514/1997 que a alienação fiduciária “poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, podendo ter como objeto imóvel concluído ou em construção, não sendo privativa das entidades que operam no SFI” elencadas no artigo 2º do normativo.

É admitida, assim, a contratação entre particulares, pacto que não será de adesão, pois estarão ambas as partes em igualdade de condições, com a prevalência dos princípios da bilateralidade e comutatividade.

Por derradeiro, as balizas eventualmente postas ao equacionamenrto da questão envolvendo os negócios com garantia fiduciária não impõem qualquer risco econômico ao sistema, pois é inegável que a garantia fiduciária constitui elemento de fundamental importância para a expansão do crédito imobiliário, em favor, também, dos consumidores, na medida em que estes podem ter acesso a melhores taxas de juros, pondo em relevo o interesse coletivo do tema em debate e a necessidade de uniformização, por meio do presente recurso especial repetitivo, da orientação jurisprudencial no sentido da observância do procedimento estabelecido pelos artigos 26 e 27, da Lei n. 9.514/1997, desde que cumpridos os requisitos citados, de modo a oferecer a todos os envolvidos segurança jurídica.

  • SEGUNDA SEÇÃO

PROCESSO Processo sob segredo judicial, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 26/10/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL

TEMA Prisão civil. Alimentos. Advogado alimentante. Inexistência de sala de estado-maior. Recolhimento em cela separada. Prisão domiciliar. Inadmissibilidade.

DESTAQUE
A prerrogativa de ser recolhido em sala de estado-maior não pode incidir na prisão civil do advogado devedor de alimentos, desde que lhe seja garantido um local apropriado, separado de presos comuns.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A Segunda Seção do STJ atualmente é dividida em duas correntes bem díspares em relação à possibilidade de abrandamento do regime fechado de cumprimento da prisão civil do executado quando se trata de profissional da advocacia.

A Quarta Turma do STJ, por sua maioria, vem perfilhando o posicionamento de que deve haver a extensão da regra protetiva da sala de estado-maior encartada no Estatuto da OAB para o advogado preso por dívida alimentar.

O principal fundamento da questão em análise é justamente o fato de que se afigura “uma inversão de valores permitir-se que advogado acusado de cometimento de ilícito penal seja recolhido a sala de Estado Maior, negando-se, contudo, igual direito àquele que tenha praticado um ilícito meramente civil […] ainda que tenham finalidades distintas [a prisão penal em relação à prisão civil], sendo a jurisprudência uníssona em garantir ao acusado emPROCESSO penal o direito a prisão domiciliar na falta da sala de Estado Maior, não se mostra razoável negar-se tal direito a infrator de obrigação cível, por mais relevante que seja, uma vez que, na escala de bens tutelados pelo Estado, os abrangidos pela lei penal são os mais relevantes à sociedade”.

Em sentido diametralmente oposto, a Terceira Turma vem entendendo que não há incidência da prerrogativa para a situação em comento. Defende-se que a prisão civil “não constitui sanção penal, não ostentando, portanto, índole punitiva ou retributiva, mas, ao revés, é uma medida coercitiva, imposta com a finalidade de compelir o devedor recalcitrante a cumprir a obrigação de manter o sustento dos alimentandos, de modo que são inaplicáveis as normas que regulam o Direito Penal e a Execução Criminal”.

Na ordem internacional há diversos normativos retratando o objetivo global de se incentivar os Estados a criar expedientes para o enfrentamento do problema social grave da inadimplência da obrigação alimentar, como soem:

i) a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989, é o instrumento de direitos humanos mais aceito na história universal, ratificado por 196 países. Ela prevê que os Estados, dentro de suas possibilidades, adotem medidas apropriadas, com o objetivo de auxiliar os pais e demais responsáveis pela criança a tornar efetivo o direito ao seu desenvolvimento, exigindo que os Estados-Partes adotem meios adequados para o adimplemento da prestação alimentar (art. 27, 4);

ii) o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) das Nações Unidas, de dezembro 1966 – ratificado no Brasil pelo Decreto n. 591, de 6 de Julho de 1992 -, determina que se reconheça o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado, inclusive à alimentação, devendo-se tomar as “medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito” (art. 11, 1.);

iii) o Comentário Geral n. 12 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, de 1999, traz a obrigatoriedade dos Estados Membros em adotar todas as medidas que se façam necessárias para assegurar a satisfação, a facilitação e o provimento dos alimentos (item 15). O Estado deve garantir um ambiente que facilite a implementação das responsabilidades pelo descumprimento (item 20), além de adotar todas as maneiras e os meios necessários para assegurar a implementação do direito à alimentação adequada (item 21);

iv) Por meio da Recomendação n. R (82)2, de 4 de Fevereiro de 1982, o Conselho da Europa recomendou que os estados membros desenvolvessem um sistema de pagamento antecipado dos alimentos ante a inadimplência do devedor, conforme os seus princípios de regência (n. 1).

O legislador constituinte promoveu uma ponderação entre direitos fundamentais – o direito de liberdade e de dignidade humana do devedor versus o direito à tutela jurisdicional efetiva, à sobrevivência, à subsistência e à dignidade humana do credor -, dando prevalência ao direito deste último. Admitiu-se a prisão civil do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia (CF, art. 5°, LXVII).

Tem a doutrina reconhecido na prisão civil uma técnica de grande serventia em razão dos seus “altos índices de eficiência”, em que “os dados estatísticos do cotidiano forense não escondem que a prisão civil do devedor de alimentos cumpre, em larga medida, a sua finalidade: fazer com que o alimentante pague a dívida alimentar”.

Estabelece a norma, ainda, que o cumprimento da prisão civil ocorrerá pelo regime fechado, devendo o encarcerado ficar separado dos presos comuns (CPC, art. 528, § 4º).

Em relação ao disposto no art. 7º, V, da Lei n. 8.906/1994, o STF reconhece sua constitucionalidade, tratando-se de direito público subjetivo do advogado de ser recolhido preso em sala de Estado-Maior e, na sua falta, em prisão domiciliar enquanto não transitar em julgado a sentença penal que o condenou, definindo que “a prisão do advogado em sala de Estado Maior é garantia suficiente para que fique provisoriamente detido em condições compatíveis com o seu múnus público […] O múnus constitucional exercido pelo advogado justifica a garantia de somente ser preso em flagrante e na hipótese de crime inafiançável (ADI 1127, Rel. p/ Ac. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJ 10/06/2010).

Mais recentemente, no entanto, o próprio Supremo vem adotando uma nova orientação, passando a considerar que, na ausência de dependência que se qualifique como Sala de Estado-Maior, atende à exigência da lei nº 8.906/94 (art. 7º, V, “in fine”), “o recolhimento prisional em vaga especial na unidade penitenciária, desde que provida de ‘instalações e comodidades condignas’ e localizada em área separada dos demais detentos” (Rcl 19286 AgR, Rel. Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 01/06/2015).

Dessarte, é possível a prisão de profissional de advocacia em unidade penitenciária que possua vaga especial, desde que provida de instalações com comodidades condignas e localizada em área separada dos demais detentos. Inclusive, a “existência de grades nas dependências da Sala de Estado-Maior onde o reclamante se encontra recolhido, por si só, não impede o reconhecimento do perfeito atendimento ao disposto no art. 7º, V, da Lei nº 8.906/94” (Rcl 6.387/SC, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno).

Assim, é o caso de se rever o posicionamento exarado no HC 271.256/MS para, agora, reconhecer que a prerrogativa da sala de estado-maior não pode incidir na prisão civil do advogado que for devedor alimentar, desde que lhe seja garantido, por óbvio, um local apropriado, devidamente segregado dos presos comuns, nos termos expressos do art. 528, §§ 4º e 5º do CPC/2015.

Isso porque, numa ponderação entre direitos fundamentais – o direito de liberdade e de dignidade humana do devedor advogado inadimplente de obrigação alimentícia versus o direito à tutela jurisdicional efetiva, à sobrevivência, à subsistência e à dignidade humana do credor -, promoveu o legislador constituinte a sua opção política em dar prevalência ao direito deste último, sem fazer qualquer ressalva.

Não se pode olvidar que a lei civil dever ser interpretada e aplicada à luz da norma constitucional – que conferiu ao direito à alimentação estatura constitucional e autorizou a prisão civil do devedor de alimentos – e não o contrário.

A autorização da prisão civil do devedor de alimentos é endereçada a assegurar o mínimo existencial ao credor. Admitir o seu cumprimento em sala de estado-maior ou de forma domiciliar, em nome da prerrogativa do profissional advogado, redundaria, no limite, em solapar todo o arcabouço erigido para preservar a dignidade humana do credor de alimentos.

A prerrogativa estipulada no art. 7º, V, do Estatuto da OAB é voltado eminentemente em relação à prisão penal, mais precisamente às prisões cautelares determinadas antes do transito em julgado da sentença penal condenatória.

Portanto, a aplicação dos regramentos da execução penal, como forma de abrandar a prisão civil, acabará por desvirtuar a técnica executiva e enfraquecer a política pública estatal, afetando a sua coercibilidade, justamente o móvel que induz a conduta do devedor alimentar.

  • TERCEIRA SEÇÃO

PROCESSO AgRg no REsp 1.983.259-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por maioria, julgado 26/10/2022, DJe 03/11/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO PENAL, EXECUÇÃO PENAL

TEMA Prescrição da pretensão executória. Art. 112, I, do Código Penal. Termo inicial. Trânsito em julgado para ambas as partes. Entendimento sufragado pelo STF.

DESTAQUE
O Termo inicial da contagem do prazo da prescrição da pretensão executória é o trânsito em julgado para ambas as partes.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Necessário o alinhamento dos julgados do Superior Tribunal de Justiça com o posicionamento adotado nas recentes decisões monocráticas proferidas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, bem como nos seus órgãos colegiados.

O Tribunal Pleno fixou a orientação de que “[a] prescrição da pretensão executória, no que pressupõe quadro a revelar a possibilidade de execução da pena, tem como marco inicial o trânsito em julgado, para ambas as partes, da condenação”. Logo, “enquanto não proclamada a inadmissão de recurso de natureza excepcional, tem-se o curso da prescrição da pretensão punitiva, e não a da pretensão executória” (AI 794.971/RJ-AgR, rel. do ac. Min. Marco Aurélio, DJe de 28/06/21) (ARE 1.301.223 AgR-ED, Relato Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 29/04/2022).

Conforme orientação da Sexta Turma do STJ, não há que se falar em prescrição da pretensão executória, porque, ainda que haja, no STF, reconhecimento de repercussão geral – ARE 848.107/DF (Tema n. 788) -, pendente de julgamento, “[o] Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do AI 794.971-AgR/RJ (Rel. para acórdão Ministro Marco Aurélio, DJe 25/06/2021), definiu que o dies a quo para a contagem da prescrição da pretensão executória é o trânsito em julgado para ambas as partes.

Assim, por já ter havido manifestação do Plenário da Suprema Corte sobre a controvérsia e em razão desse entendimento estar sendo adotado pelos Ministros de ambas as Turmas do STF, essa orientação deve passar a ser aplicada nos julgamentos do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que não há mais divergência interna naquela Corte sobre o assunto (AgRg no RHC 163.758/SC, rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe de 27/06/2022), (AgRg no REsp 2.000.360/PR, rel. Ministro Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, DJe de 15/08/2022).

PROCESSO Processo sob segredo de justiça, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 26/10/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL PENAL

TEMA Estupro. Crime perpetrado contra criança e adolescente no contexto de violência doméstica e familiar. Critério etário inapto a afastar a competência estabelecida na Lei n. 11.340/2006. Advento da Lei n. 13.431/2017. Competência da Vara Especializada em Crimes contra a Criança e Adolescente e, de forma subsidiária, da Vara Especializada em Violência Doméstica.

DESTAQUE
Após o advento do art. 23 da Lei n. 13.431/2017, nas comarcas em que não houver vara especializada em crimes contra a criança e o adolescente, compete à vara especializada em violência doméstica, onde houver, processar e julgar os casos envolvendo estupro de vulnerável cometido pelo pai (bem como pelo padrasto, companheiro, namorado ou similar) contra a filha (ou criança ou adolescente) no ambiente doméstico ou familiar.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a questão em solucionar a divergência jurisprudencial sobre a a competência para julgar o estupro perpetrado contra criança e adolescente no contexto de violência doméstica e familiar.

De fato, a Quinta Turma do STJ entende que, para que a competência dos Juizados Especiais de Violência Doméstica seja firmada, não basta que o crime seja praticado contra mulher no âmbito doméstico ou familiar, exigindo-se que a motivação do acusado seja de gênero, ou que a vulnerabilidade da ofendida seja decorrente da sua condição de mulher. Já a Sexta Turma, em recentes julgados, vem compreendendo que o estupro de vulnerável cometido por pessoa relacionada à ofendida pelo vínculo doméstico e familiar deve ser destinado à Vara Especializada em Violência Doméstica, nos termos da Lei n. 11.340/2006.

A solução da controvérsia deve atender ao disposto na Lei n. 11.340/2006, assim como na Lei n. 13.431/2017, que instituem o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência.

Dois argumentos bastam para esse efeito. O primeiro reside no fato de que não pode ser aceito um fator meramente etário para afastar a competência da vara especializada e a incidência do subsistema da Lei n. 11.340/2006.

A referida lei nada mais objetiva do que a proteção de vítimas contra os abusos cometidos no ambiente doméstico, derivados da distorção sobre a relação familiar decorrente do pátrio poder, em que se pressupõe intimidade e afeto, além do fator essencial de ser a vítima mulher, elementos suficientes para atrair a competência da vara especializada em violência doméstica.

O segundo argumento esta em que, em 4/4/2017, foi editada a Lei n. 13.431/2017, que instituiu procedimentos de proteção à criança e ao adolescente vítima de violência, alterando a Lei n. 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). A referida lei estabeleceu uma série de medidas, em diversos âmbitos, com o objetivo de conferir melhores condições de defesa e proteção a crianças e adolescentes vítimas de condutas violentas.

Em relação à apuração judicial de tais atos, a mencionada legislação assim estabelece: Art. 23. Os órgãos responsáveis pela organização judiciária poderão criar juizados ou varas especializadas em crimes contra a criança e o adolescente. Parágrafo único. Até a implementação do disposto no caput deste artigo, o julgamento e a execução das causas decorrentes das práticas de violência ficarão, preferencialmente, a cargo dos juizados ou varas especializadas em violência doméstica e temas afins.

Desse modo, a partir da entrada em vigor da Lei n. 13.431/2017, estabeleceu-se que as ações penais que apurem crimes envolvendo violência contra crianças e adolescentes devem tramitar nas varas especializadas previstas no caput do art. 23; no caso de não criação das referidas varas, devem tramitar nos juizados ou varas especializados em violência doméstica, independentemente de considerações acerca da idade, do sexo da vítima ou da motivação da violência, conforme determina o parágrafo único do mesmo artigo. Assim, somente nas comarcas em que não houver varas especializadas em violência contra crianças e adolescentes ou juizados/varas de violência doméstica é que poderá a ação tramitar na vara criminal comum.

Por fim, nos termos do art. 927, § 3º, do Código dePROCESSO Civil, tendo em vista a alteração da jurisprudência dominante desta Corte em relação às ações penais que tenham tramitado ou que estejam atualmente em trâmite nas varas criminais comuns, a fim de assegurar a segurança jurídica, notadamente por se tratar de competência de natureza absoluta, a tese ora firmada terá sua aplicação modulada nos seguintes termos:

a) nas comarcas em que não houver juizado ou vara especializada nos moldes do art. 23 da Lei n. 13.431/2017, as ações penais que tratam de crimes praticados com violência contra a criança e o adolescente, distribuídas até a data de publicação do acórdão deste julgamento (inclusive), tramitarão nas varas às quais foram distribuídas originalmente ou após determinação definitiva do Tribunal local ou superior, sejam elas juizados/varas de violência doméstica, sejam varas criminais comuns;

b) nas comarcas em que não houver juizado ou vara especializada nos moldes do art. 23 da Lei n. 13.431/2017, as ações penais que tratam de crimes praticados com violência contra a criança e o adolescente, distribuídas após a data de publicação do acórdão deste julgamento, deverão ser obrigatoriamente processadas nos juizados/varas de violência doméstica e, somente na ausência destas, nas varas criminais comuns.

  • PRIMEIRA TURMA

PROCESSO AgInt no REsp 1.874.550-RN, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 25/10/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEMA Honorários contratuais. Retenção. Verbas do FUNDEF/FUNDEB. Impossibilidade. ADPF n. 528. Observância obrigatória. Juros de mora. Autonomia. Pagamento. Viabilidade.

DESTAQUE
O reconhecimento da inconstitucionalidade do pagamento de honorários advocatícios contratuais com recursos alocados no FUNDEF/FUNDEB não exclui a possibilidade de adimplemento de tal verba com base no montante correspondente aos juros de mora incidentes sobre o valor do precatório devido pela União.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Ao examinar a ADPF 528, o Supremo Tribunal Federal vedou o pagamento de honorários advocatícios contratuais com recursos alocados no FUNDEF/FUNDEB, muito embora tenha ressalvado o pagamento de honorários advocatícios contratuais valendo-se da verba correspondente aos juros de mora incidentes sobre o valor do precatório devido pela União em ações propostas em favor dos Estados e dos Municípios.

Assim, o Supremo Tribunal Federal superou parcialmente o entendimento pacificado no âmbito das duas Turmas que compõem a Primeira Seção, notadamente na possibilidade de utilização dos juros moratórios dos precatórios para pagamento dos honorários contratuais, à vista da natureza autônoma dos juros em relação à verba principal.

Ademais consigna-se que o entendimento sufragado pela Suprema Corte é de aplicação obrigatória, inclusive de ofício, conforme enuncia o art. 927, I, do CPC/2015.

Essa é a posição que vem sendo adotada pelas Turmas que compõem a Primeira Seção do STJ, no sentido de que “a vedação de pagamento de honorários advocatícios contratuais com recursos alocados no FUNDEF/FUNDEB, não exclui a possibilidade de pagamento de tais honorários valendo-se da verba correspondente aos juros de mora incidentes sobre o valor do precatório devido pela União, consoante orientação adotada pelo STF na ADPF 528”. (EDcl no AgInt no REsp 1.789.911/PE, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 24/5/2022, DJe de 27/5/2022).

  • SEGUNDA TURMA

PROCESSO AREsp 1.640.785-MS, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 25/10/2022, DJe 27/10/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO REGISTRAL, DIREITO AGRÁRIO

TEMA Certificação de georreferenciamento de imóvel rural. Sobreposição a terra indígena.PROCESSO demarcatório não concluído. Inviabilidade.

DESTAQUE
A sobreposição da propriedade rural com área indígena, ainda que oPROCESSO de demarcação não tenha sido concluído, inviabiliza a certificação de georreferenciamento.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia em verificar se a verificação no sistema do INCRA de que tenha havido a sobreposição da propriedade com a área indígena inviabiliza a certificação de georreferenciamento, ainda que oPROCESSO de demarcação de terra indígena não tenha sido concluído.

A certificação de imóveis rurais foi criada pela Lei n. 10.267/2001, sendo exigida para os casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, bem como para efetivação de registro, em qualquer situação de transferência de imóvel rural, nos prazos fixados no Decreto n. 5.570/2005.

A Lei n. 10.267/2001 determina que caberá ao INCRA certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobreponha a qualquer outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atenda às exigências técnicas, conforme ato normativo próprio.

O procedimento de georreferenciamento integra o registro e dele emanam consequências, pois a certificação do memorial descritivo do imóvel consta da matrícula. Trata-se de ato cadastral que visa alcançar a identidade física no território.

No caso, houve pedido de certificação de georreferenciamento de imóvel mas o INCRA constatou a ocorrência de sobreposição com área sob gestão da FUNAI e, diante de manifestação desfavorável à certificação, o requerimento foi acertadamente indeferido. Tal constatação de sobreposição independe do procedimento de demarcação das terras indígenas, em especial nos casos em que estas tenham sido nitidamente invadidas.

As normas legais e infralegais são claras acerca da presunção de veracidade dos estudos e das informações fornecidas pela FUNAI. E, na espécie, a área onde está localizado o imóvel se sobrepõe a Terra Indígena já declarada de posse permanente de grupo indígena por Portaria do Ministro da Justiça. Assim, o fato de tramitar procedimento demarcatório das terras indígenas não afasta a possibilidade de que a propriedade seja da União.

As terras ocupadas pelos indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis (§ 4º do art. 231 da Constituição Federal). Não pode a Administração ser compelida a certificar situação imobiliária em descumprimento da lei e Constituição, pois são nulos os títulos particulares sobre terras indígenas, a teor do § 6º do art. 231 da Constituição Federal.

PROCESSO RMS 69.727-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 18/10/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEMA Recurso ordinário em Mandado de Segurança. Exclusão de multa coercitiva. Decisão não denegatória. Descabimento. Art. 105, inciso II, alínea “b”, da CF.

DESTAQUE
Não cabe recurso ordinário em mandado de segurança com fundamento no art. 105, inciso II, alínea “b”, da Constituição da República, na hipótese em que houver a concessão da segurança e a parte impugna capítulo que havia tão-somente excluído a multa cominatória para o cumprimento da liminar.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A pretensão mandamental foi deduzida com a finalidade de compelir a autoridade impetrada a providenciar a expedição de um boleto bancário para que a impetrante pudesse realizar a sua inscrição em concurso público.

No caso, aparentemente havia um problema tanto na geração desse boleto, quanto no seu registro bancário, e isso dificultava o procedimento de inscrição porque o pagamento não podia ser feito.

Assim, a pretensão mandamental esgotava-se nisso, e que a despeito de ter sido cominada multa para obrigar a autoridade ao pronto atendimento da decisão judicial concessiva de liminar, a sua existência em si é irrelevante para a correta definição da pretensão, assim como do seu acolhimento.

Nesse sentido, é inafastável concluir que tenha a parte impetrante pedido ou não a cominação de multa, e tivesse o órgão judicial deferido ou indeferido a “astreinte”, o primordial a ser considerado para efeito da caracterização da pretensão mandamental, do resultado processual concessivo ou denegatório e da formação da coisa julgada é que o pedido principal consistira tão-somente na expedição de novo boleto bancário e na prorrogação do prazo de inscrição. Foi nesse sentido que houve a “concessão da segurança”.

Em sendo assim, uma vez que o resultado judicial não é denegatório da pretensão mandamental, não há hipótese de cabimento do recurso ordinário, na forma do art. 105, inciso II, alínea “b”, da Constituição da República, e por isso não se conhece do recurso ordinário em mandado de segurança.

  • TERCEIRA TURMA

PROCESSO Processo sob segredo de justiça, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/10/2022, DJe 28/10/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEMA Prisão civil. Nulidade. Pré-existência de ações penais que envolvem o magistrado que decretou a prisão e o suposto devedor de alimentos. Reconhecimento de impedimento e suspeição cumulativamente (inimizade). Art. 144, I e IX, CPC/2015. Quebra da imparcialidade emPROCESSO distinto da execução de alimentos. Produção de efeitos expansivos para todos os processos que envolvem as partes.

DESTAQUE
A pré-existência de ações penais envolvendo, de um lado, o juiz, e de outro lado, a parte ou o seu advogado, é causa típica de impedimento (art. 144, IX, do CPC/2015) que obsta a eventual decretação de prisão civil por dívida de alimentos, ainda que presentes os requisitos para adoção da medida coativa extrema.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Não é lícito ao juiz presidir nenhumPROCESSO que envolva a parte ou advogado com quem litiga, na medida em que se trata de impedimento absoluto, pois ligado às partes ou seus representantes, razão pela qual existe a real possibilidade de comprometimento da neutralidade e da imparcialidade em relação a quaisquer causas que porventura os envolvam.

De outro lado, ainda que se entenda não ser possível concluir, desde logo, que se trataria de hipótese de impedimento do juiz, especialmente porque, nas hipóteses de ações penais públicas condicionadas à representação ou incondicionadas, o juiz, tecnicamente, não é a pessoa que promoveu a ação contra a parte ou seu advogado, não há nenhuma dúvida acerca da configuração da suspeição, como reconhecido pelo próprio magistrado, com base no art. 145, I e IX, do CPC/2015.

Dessa forma, o juiz que reconheceu sua suspeição com fundamento em inimizade com a parte ou advogado tem a sua neutralidade e imparcialidade comprometidas em relação a quaisquer processos que os envolvam, ainda que a suspeição apenas tenha sido reconhecida em um desses processos.

No caso, desde a decisão proferida, por meio da qual o juiz se declarou suspeito (em verdade, impedido) para atuar em pedido de alvará judicial no qual o paciente atuava como parte e advogado, estava também o juiz impedido para atuar nos demais processos judiciais que envolviam o paciente, como parte ou advogado, inclusive na execução de alimentos em que o julgador impedido decretou a prisão do paciente, ainda que, nesta execução de alimentos, o impedimento somente tenha sido reconhecido expressamente depois.

Significa dizer, portanto, que o reconhecimento do impedimento com base no art. 144, IX, e também da suspeição com base no art. 145, I, ambos do CPC/2015 – uma vez lançado em algum dos processos que envolvem as partes ou advogados em conflito com o julgador -, produzem efeitos expansivos em relação aos demais processos, inviabilizando a atuação do magistrado em quaisquer deles, independentemente de expressa manifestação em cada um dos processos individualmente.

PROCESSO REsp 1.930.837-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/10/2022, DJe 25/10/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL

TEMA Recuperação judicial. Homologação de plano. Agravo de instrumento. Desistência. Anuência da parte contrária. Desnecessidade. Julgamento de ofício pelo tribunal. Impossibilidade.

DESTAQUE
Não cabe ao Tribunal indeferir o pedido de desistência em agravo de instrumento e julgar o recurso de ofício, ainda que que as questões nele veiculadas sejam ordem pública e de interesse da coletividade dos credores da empresa em recuperação judicial.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A controvérsia consiste na possibilidade de indeferimento do pedido de desistência de agravo de instrumento interposto contra decisão que homologou o plano e concedeu a recuperação judicial requerida pelas recorrentes e consequente julgamento de ofício da sua legalidade das cláusulas aprovadas pela assembleia geral de credores.

A desistência do recurso é um ato processual unilateral que veicula uma manifestação de vontade da parte. E, por ser um ato unilateral, independe da concordância da parte contrária e, uma vez praticado, produz efeitos imediatos no processo, gerando a pronta e instante modificação, constituição ou extinção de direitos processuais.

Somente a parte recorrente, quando interpõe um recurso, possui a legítima expectativa de obter uma tutela jurisdicional em seu favor. Logo, não há se cogitar, de fato, na necessidade de aquiescência da parte recorrida, cujo pronunciamento judicial já lhe é favorável, ainda mais porque é vedado o agravamento da situação da parte que não recorreu (proibição da reformatio in pejus).

Por outro lado, no caso, os fundamentos utilizados pelo Tribunal de origem para proceder ao exame do agravo de instrumento, apesar do pedido de desistência – apresentado antes de iniciado o julgamento -, no sentido de que haveria “questões de ordem pública e de interesse coletivo”, também não se sustentam.

Do contrário, estar-se-ia admitindo a possibilidade da criação de uma nova espécie de “remessa necessária” fora das hipóteses expressamente previstas nos arts. 496 do CPC e 19 da Lei n. 4.717/1965 (aplicável ao microssistema das ações coletivas).

Ademais, considerada a desistência do presente agravo de instrumento, não se têm notícias de que algum outro credor teria impugnado o plano de recuperação.

É entendimento pacífico do STJ de que “NoPROCESSO recuperacional, são soberanas as decisões da assembleia geral de credores sobre o conteúdo do plano de reestruturação e sobre as objeções/oposições suscitadas, cabendo ao magistrado apenas o controle de legalidade do ato jurídico, o que decorre, principalmente, do interesse público consubstanciado no princípio da preservação da empresa e consectária manutenção das fontes de produção e de trabalho” (REsp 1.587.559/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 06/04/2017, DJe 22/05/2017).

Entretanto, para que o Poder Judiciário exerça o controle judicial da legalidade do plano de recuperação judicial é imprescindível, por óbvio, que haja provocação de uma das partes para que, aí sim, até mesmo de ofício, seja declarada eventual nulidade, em virtude do efeito translativo do recurso.

Portanto, até mesmo na hipótese em que há notório interesse público envolvido, como no julgamento de causas repetitivas, a lei processual admite a possibilidade de desistência do recurso (§ único, do art. 998, do CPC).

PROCESSO REsp 1.924.452-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 04/10/2022, DJe 10/10/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEMA Negócio jurídico processual. Consenso entre as partes para a indicação de perito. Ausência. Profissional recusado. Realização da prova pericial. Impossibilidade.

DESTAQUE
Se não há consenso entre as partes a respeito da escolha do perito, o profissional indicado por uma das partes, mas rejeitado pela outra, não pode realizar a produção da prova como perito do juízo.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A nomeação do perito deve ocorrer entre os profissionais e órgãos técnicos ou científicos constantes do cadastro realizado pelo Tribunal. Somente na localidade onde não houver o registro de profissionais habilitados, a escolha do expert será de livre escolha do juiz (§ 5º do art. 156 do CPC/2015).

O art. 471 do CPC/2015 trouxe importante inovação ao permitir a indicação do perito pelas partes, havendo, no ponto, a possibilidade de celebração de negócio jurídico processual.

Por se tratar de perícia consensual, exige-se o comum acordo entre os litigantes, cuja prova realizada substitui, para todos os efeitos, aquela que seria realizada por profissional nomeado pelo juiz. Além disso, as partes devem ser plenamente capazes e a causa deve versar acerca de direito que admita a autocomposição.

Diante da necessidade de uniformização da matéria, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução n. 233/2016 para dispor acerca da “criação de cadastro de profissionais e órgãos técnicos ou científicos no âmbito da Justiça de primeiro e segundo graus” e determinar a instituição do Cadastro Eletrônico de Peritos e Órgãos Técnicos e Científicos (CPTEC).

Ademais, a referida resolução traça outras normas a respeito da questão: (I) impossibilidade de nomeação profissional ou de órgão que não esteja regularmente cadastrado, salvo no caso do art. 156, § 5º, do CPC/2015 (art. 6º, caput); (II) a escolha dos peritos previamente cadastrados ocorrerá por nomeação direta ou por sorteio eletrônico, a critério do magistrado (art. 9º, § 1º) e (III) o juiz poderá selecionar profissionais de sua confiança, entre aqueles que estejam regularmente cadastrados no CPTEC, para atuação em sua unidade jurisdicional, devendo, entre os selecionados, observar o critério equitativo de nomeação em se tratando de profissionais da mesma especialidade (art. 9º, § 2º).

Por sua vez, o CNJ reafirma que a nomeação de perito ou de órgão não cadastrado somente ocorrerá quando não existir profissional especializado e quando houver indicação conjunta pelas partes. Nessa hipótese, “o profissional ou o órgão será notificado, no mesmo ato que lhe der ciência da nomeação, para proceder ao seu cadastramento” (art. 10).

Nessa linha, observa-se que o CPC/2015 estabelece como regra a escolha do perito pelo juízo e, como alternativa, possibilita a nomeação do referido profissional pelas partes. Porém, na segunda hipótese, a concordância dos litigantes é elemento fundamental à validade (ou à existência) do negócio jurídico processual.

Tanto é assim que o Enunciado n. 616 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) orienta no sentido de que “os requisitos de validade previstos no Código Civil são aplicáveis aos negócios jurídicos processuais, observadas as regras processuais pertinentes”.

Além disso, o art. 190 do CPC/2015, que traz a norma geral dos negócios processuais, prescreve ser lícito às partes estipular mudança “no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”. Com efeito, o estatual processual deixa claro, mais uma vez, a necessidade de convergência entres os sujeitos litigantes, sem a qual o ajuste não se concretiza.

Dessa forma, diante da ausência de consenso entre as partes, é nula a decisão que acolheu a indicação do perito feita pelo autor, cabendo ao magistrado, na origem, nomear profissional devidamente inscrito em sistema mantido pelo tribunal ao qual está vinculado.

PROCESSO REsp 1.940.427-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 09/08/2022, DJe de 15/08/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO BANCÁRIO

TEMA Ação civil pública. Expurgos inflacionários. Cumprimento de sentença. Juros remuneratórios. Capitalização mensal. Possibilidade.

DESTAQUE
É cabível a capitalização mensal dos juros remuneratórios que incidem sobre as diferenças decorrentes de expurgos inflacionários reconhecidas em ação civil pública.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia a determinar se, havendo previsão expressa no título judicial, é cabível a capitalização mensal de juros remuneratórios que incidem sobre as diferenças decorrentes de expurgos inflacionários reconhecidos em ação civil pública.

A Segunda Seção desta Corte, no julgamento do REsp 1.392.245/DF, sob o rito dos repetitivos, fixou a tese de que é vedada a inclusão de juros remuneratórios nos cálculos de liquidação/execução se inexistir condenação expressa na fase de conhecimento, sem prejuízo de, quando cabível, o interessado ajuizar ação individual de conhecimento. Na ocasião do julgamento do referido recurso especial, prevaleceu o entendimento de que os juros remuneratórios possuem natureza contratual, dependendo sua incidência de pedido na inicial da ação de conhecimento e condenação expressa a esse respeito na sentença exequenda. Assim, a determinação de capitalização mensal dos juros remuneratórios da poupança não conflita com esse entendimento, haja vista que, naquela oportunidade, apenas se decidiu sobre a inclusão de juros remuneratórios não previstos no título exequendo quando do respectivo cumprimento de sentença.

Tratando-se de contrato de caderneta de poupança, é possível concluir que os juros remuneratórios contemplados na sentença devem incidir mês a mês.

A capitalização mensal dos juros remuneratórios das cadernetas de poupança foi autorizada pelo BACEN por meio da Resolução nº 1.236/86, que estabeleceu “que as instituições autorizadas a receber depósitos de poupança livre deverão creditar os rendimentos às contas de pessoas físicas no 1º (primeiro) dia útil após período de 1 (um) mês corrido de permanência do depósito”.

Além disso, os juros remuneratórios das cadernetas de poupança, ao se agregarem ao capital, passam a constituir o próprio crédito, deixando de ter a natureza de acessório. Tanto que a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que o prazo prescricional aplicável para a pretensão de recebimento de referida verba é o vintenário.

Portanto, havendo condenação expressa ao pagamento de juros remuneratórios no título exequendo, estes capitalizam-se mensalmente.

  • QUARTA TURMA

PROCESSO REsp 1.699.184-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 25/10/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEMA Contrato de arrendamento mercantil. Título executivo extrajudicial. Configuração.

DESTAQUE
O contrato de arrendamento mercantil é título executivo extrajudicial apto a instrumentalizar a ação de execução forçada.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Ao estruturar-se uma relação jurídica, transitória e de natureza econômica, sujeitos determinados, credor e devedor, se vinculam por meio de prestações recíprocas. Esta, uma conceituação de obrigação, é claro, deveras restritiva. Todavia, é certa a possibilidade de haver a quebra de um dos deveres contratuais, determinando uma imperfeição no cumprimento da obrigação, ou, até mesmo, o desfazimento do vínculo.

Nesse passo, verificado o inadimplemento, o ordenamento confere ao interessado a possibilidade de se valer da ação judicial executiva para a satisfação do que lhe for devido. Para tanto, o credor da obrigação não cumprida deverá portar um título executivo, capaz de revelar “o conteúdo da obrigação, o seu valor ou seu objeto, os seus acessórios, quem responde pela dívida, quem pode exigi-la, tudo isso há de se definir pelo título executivo”, conforme lição da doutrina.

No que diz respeito aos títulos executivos extrajudiciais, o diploma processual de 2015, ao disciplinar a execução forçada com base em título executivo extrajudicial, apresentou um rol dos que a doutrina denomina específicos (art. 784, I ao XI), somando à lista “todos os demais títulos aos quais, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva” (art. 784, XII).

Sobre o ponto, ainda sob a vigência do Código Processual de 1973, já observou a ilustre Ministra Nancy Andrighi “que o sistema legal brasileiro revela a peculiaridade de admitir uma vasta gama de títulos executivos aptos a iniciar um juízo de execução forçada, de satisfação sem prévia cognição. Os termos do art. 585, II, CPC, permitem que qualquer ‘documento assinado pelo devedor e por duas testemunhas’ tenha força executiva” (REsp n. 944.917/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 18/09/2008, DJe de 03/10/2008).

É, também, da doutrina que se extrai, quanto ao rol do art.784, “que alguns têm todos os requisitos formais e substanciais definidos em lei própria. É o caso dos títulos cambiários (inc. I). Outros são apenas parcialmente identificados, como ocorre com […] o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas”. “Desse modo, para que se lhes reconheça a plena eficácia executiva, necessário se torna recorrer ao direito material para concluir sobre a retratação da certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação titulada”.

Na linha desse entendimento, o art. 783 do CPC/2015 apregoa que “a execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível”.

Assim, acertada a conclusão da instância ordinária, que conferiu ao contrato de arrendamento mercantil a qualidade de título executivo extrajudicial, tendo em vista o satisfatório preenchimento dos elementos exigidos pelo sistema processual pátrio.

No tocante especificamente ao título executivo decorrente de documento particular, salvo as hipóteses previstas em lei, exige o normativo processual que o instrumento contenha a assinatura do devedor e de duas testemunhas (NCPC, art. 784, III, e CPC/73, art. 595, II).

Aliás, quanto às testemunhas, ainda que não se identifique na hipótese, assinale-se, apenas a título complementar, que o STJ, em alguns julgados, tem reconhecido que sua ausência não configura necessariamente falta de executividade do título, sendo certo que, em caráter absolutamente excepcional, os pressupostos de existência e os de validade do contrato podem ser revelados por outros meios idôneos e pelo próprio contexto dos autos (REsp 1.438.399/PR, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 10/03/2015, DJe de 05/05/2015).

Por derradeiro, as Turmas da Seção de Direito Privado defendem que a caracterização de determinado negócio jurídico como título executivo dá-se a partir da verificação do preenchimento dos requisitos de liquidez, certeza e exigibilidade dos documentos apresentados à execução.

PROCESSO REsp 1.699.184-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 25/10/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEMA Contrato de arrendamento mercantil. Inadimplemento do arrendatário. Cláusula que prevê o vencimento antecipado da dívida. Abusividade. Não configuração.

DESTAQUE
Não é abusiva a cláusula de contrato de arrendamento mercantil que prevê o vencimento antecipado da dívida em decorrência do inadimplemento do arrendatário.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A previsão de termo contratual ou a sujeição da obrigação a prazo estabelece uma contenção ao exercício da pretensão, suspendendo-o até o dia do vencimento. Alcançado o tempo estabelecido para o adimplemento, surgirá o poder jurídico de exigir a prestação, a pretensão ao cumprimento.

Todavia, haverá situações excepcionais em que o credor poderá receber o pagamento, mesmo antes do termo estabelecido originalmente no contrato. Com efeito, a doutrina esclarece que, “conforme a teoria Geral das obrigações, pelo vencimento antecipado, uma obrigação de execução diferida – aquela em que o cumprimento ocorre de uma vez só no futuro – ou de execução continuada ou trato sucessivo – em que o cumprimento com forma periódica no tempo – converte-se em uma obrigação de execução imediata ou instantânea”.

De fato, o art. 333 do CC prescreve uma série de situações em que se dá o vencimento antecipado, conferindo ao credor ao direito de cobrar a dívida antes de vencido prazo estipulado no contrato ou marcado na legislação.

Quanto ao ponto, a doutrina observa que o rol do dispositivo acima “não é taxativo (numerus clausus), mas exemplificativo (numerus apertus)”, tendo a hipótese incidência genérica. Nessa linha, conclui: “De qualquer forma, é comum, em obrigações garantidas ou não por direitos reais, estipular o vencimento antecipado da dívida pelo inadimplemento. A lei não estabelece qual o número de parcelas inadimplidas que gera antecipação. Dessa forma, é possível estabelecer pelo instrumento que a impontualidade de uma única parcela gera tal efeito”.

Em âmbito jurisprudencial, esta Corte já afirmou que, fundado também no princípio da autonomia da vontade, podem os contratantes estipular o vencimento antecipado das obrigações, “como sói ocorrer nos mútuos feneratícios, em que o inadimplemento de determinado número de parcelas acarretará o vencimento extraordinário de todas as subsequentes, ou seja, a integralidade da dívida poderá ser exigida antes de seu termo” (REsp 1.489.784/DF, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 15/12/2015, DJe de 3/2/2016.)

Ademais, importante ressaltar que o vencimento antecipado da dívida, previsto contratualmente, é uma faculdade do credor e não uma obrigatoriedade, de modo que pode se valer ou não de tal instrumento para cobrar seu crédito por inteiro antes do advento do termo ordinariamente avençado.

Tanto é assim que é possível a renúncia ao direito de execução imediata da totalidade da obrigação, como ocorre, a título exemplificativo, nos casos de recebimento apenas das prestações em atraso, afastando o devedor, espontaneamente, os efeitos da impontualidade (arts. 401, I, e 1.425, III, do CC).

Destarte, parece não haver dúvidas quanto à não abusividade, ao menos em tese, de cláusula contratual que preveja o vencimento antecipado do acordo ajustado.

No mesmo sentido dessa conclusão, a doutrina estabelece nos seguintes termos: “tem-se debatido se a cláusula de vencimento antecipado é abusiva, mormente se incluída em contratos de consumo. De fato, em regra, pela previsão expressa da lei, não há que se falar em abusividade, salvo se outro direito do consumidor for atingido pela convenção”.

Salienta-se, ademais, que a cláusula de antecipação do vencimento, operada em favor do credor adimplente em face do devedor inadimplente, permitirá, naturalmente, a cobrança das parcelas vincendas.

Todavia, o mandamento que sujeita o credor à quitação das prestações não poderia significar a possibilidade de o arrendador reintegrar-se na posse do bem arrendado antes do prazo estabelecido no contrato, sob pena, aí, sim, de configurar-se verdadeiro enriquecimento ilícito.

Isso porque, se a antecipação do vencimento, como visto, é forma de restabelecer a segurança dos contratantes no que diz respeito à execução do contrato, nenhuma razão haveria, após o adiantamento das prestações, privar o arrendatário da posse do bem pelo prazo originalmente acordado.

Interessante registrar, no que respeita à possibilidade de previsão da cláusula de antecipação do vencimento pelo inadimplemento, consideração da doutrina que ressalta fator econômico relevante para fundamentar a execução perfeita dos contratos de arrendamento mercantil, qual seja a recuperação do investimento realizado pela empresa arrendadora para viabilizar o bem ao arrendatário.

Isso porque há uma peculiaridade no contrato objeto deste estudo, que, apesar de aparentemente sutil, é “peça chave” de toda engrenagem: o bem arrendado o é em razão da necessidade do arrendatário.

Noutras palavras, ao arrendador o bem não possui utilidade, considerada em si mesmo. A utilidade apenas se vê quando considerada em relação ao arrendatário. Sendo assim, a dinâmica revelada pelo negócio jurídico só se mostra conveniente ao arrendador na hipótese em que o contrato se aperfeiçoa, quando seu cumprimento não é maculado pelo inadimplemento.

E não é demais avivar que os contratos de leasing financeiro, a empresa de leasing não produz o bem, tendo, portanto, que desembolsar certo capital para adquiri-lo para o arrendatário. O bem adquirido não faz parte da atividade empresarial da arrendadora e, por isso, fica claro que somente a operação financeira lhe interessa.

Por oportuno, destaco que este Tribunal Superior já considerou plenamente válidas as cláusulas de contrato de arrendamento mercantil em que se previa não apenas o vencimento antecipado, mas a resolução do negócio pactuado.

PROCESSO REsp 1.699.184-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 25/10/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEMA Arrendamento mercantil. Extinção dos contratos. Resilição. Impossibilidade no caso de mora. Abuso de direito.

DESTAQUE
No arrendamento mercantil, a resilição não poderá ser exercida se o contratante se encontrar em mora, devendo, nesses casos, o devedor, suportar todos os riscos de sua inadimplência, sob pena de configurar-se abuso do direito por parte do contratante que pretende resilir.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Na teoria das obrigações, a resilição se sobressai como uma de suas formas de extinção, integrando o tema geral do “poder de desligamento nas relações contratuais”.

Com efeito, a doutrina assevera que por encerrar um “poder contratual” mais severo, o exercício da resilição dá ensejo a situações mais suscetíveis ao abuso de direito, principalmente quando não fundamentada no inadimplemento da outra parte. De fato, a prerrogativa de “sair e se desligar”, unilateralmente, de uma relação jurídica contratual, por si só, é causa de frustração da expectativa legítima de manutenção da relação jurídica no tempo, de obtenção de ganhos e proveitos que haviam sido projetados quando da constituição do contrato.

Em julgamento da Quarta Turma, também ficou consignado que os contornos traçados pelo ordenamento sobre este tema nunca pretenderam a aniquilação do instituto, visando, tão somente garantir que a resilição unilateral seja responsável, impondo-se a observância da boa-fé até mesmo no momento de desfazimento do pacto, principalmente quando for contrário aos interesses de uma das partes. (REsp 1.555.202/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 13/12/2016, DJe de 16/03/2017).

No mesmo rumo, a doutrina afirma que a resilição não pode ser levada a efeito pela parte que agiu culposamente. “Isto posto, se o contratante se encontrava em mora (por deixar de realizar a prestação no tempo certo) ao tempo da onerosidade excessiva, terá que suportar todos os riscos do novo cenário ambiental. Haveria abuso do direito (art. 187, CC) por parte do contratante que exige o direito a resolução com base na norma violada”.

Pelo exposto, parece distante da razoabilidade cogitar-se que o interesse exclusivo de uma das partes no desfazimento de um contrato seja bastante à conclusão pela regularidade da resilição. Na hipótese em análise, a resilição configura abuso de direito, não podendo dela surtir os efeitos esperados, uma vez que fora manifestada quando a arrendatária já se encontrava em estado de inadimplência e somente após ter sido judicialmente compelida à satisfação das obrigações que já havia descumprido.

Perceba-se que, não bastasse manifestar-se sobre a pretensão de resilir o contrato após estar inadimplente, a executada, ofereceu à penhora o bem objeto do arrendamento mercantil, que não era de sua propriedade. Deve ser destacado, o fato de o bem arrendado ter permanecido na posse da arrendatária, por todo o tempo, condição inquestionavelmente contrária à intenção de efetivamente resilir.

Ademais, na hipótese, a espécie de leasing celebrado entre as partes foi o leasing financeiro.

No rumo dessas ideias, a doutrina leciona que o arrendamento mercantil financeiro não confere “qualquer direito ao arrendatário de pretender devolver a coisa e resilir unilateralmente o contrato, salvo se pagas todas as prestações do negócio e ressarcido o arrendador de todos os prejuízos sofridos”.

PROCESSO REsp 2.028.232-RJ, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 11/10/2022, DJe 17/10/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL

TEMA Sociedade seguradora de capitalização. Liquidação extrajudicial. Comissão paga à Superintendência de Seguros Privados (SUSEP). Art. 106 do Decreto-Lei n. 73/1966. Limitação a 5% (cinco por cento) sobre o ativo apurado na liquidação. Impossibilidade de aplicação da disciplina prevista na Lei n. 6.024/1974. Princípio da especialidade.

DESTAQUE
Em decorrência da aplicação do princípio da especialidade, os valores pagos aos liquidantes não devem ser descontados da comissão devida à Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), responsável pela atividade concreta de condução doPROCESSO de liquidação extrajudicial.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A Superintendência de Seguros Privados – SUSEP exerce, nos procedimentos de liquidação extrajudicial, dúplice função, a primeira consubstanciada no órgão processante do procedimento de liquidação – tal como ocorre com o Banco Central na hipótese de liquidação de instituições financeiras – e outra, como o próprio liquidante da sociedade empresária, com responsabilidade de realização do ativo e pagamento dos credores (arts. 97 e 106 do Decreto-Lei n. 73/1966).

Assim, após decretada a liquidação extrajudicial da sociedade seguradora, a SUSEP poderá nomear agente público para conduzir o respectivo processo, na qualidade de liquidante, de maneira similar à função do administrador judicial na falência, nos termos do art. 106 do Decreto-Lei n. 73/1966.

A exegese consentânea com a disciplina legal orienta-se no sentido de que a SUSEP, pelo exercício das funções de liquidante e órgão processante previstas na legislação de regência, auferirá a remuneração equivalente a 5% (cinco por cento) sobre o ativo apurado da sociedade seguradora em liquidação. Em caso de nomeação de agente público para conduzir o procedimento, eventual remuneração deve ser subtraída dessa comissão, porquanto a legislação aplicável não prevê outra forma de remuneração de tais agentes. Idêntica exegese é determinada pelo art. 82 do Decreto n. 60.459/1967.

Dessarte, é imperiosa a inferência no sentido de que a comissão referida pelo art. 106 do Decreto-Lei n. 73/1966, em verdade, constitui a única importância devida pela sociedade liquidanda à SUSEP pelo exercício de suas atividades. Assim, ao prever a legislação que os valores pagos aos agentes encarregados de executar a liquidação devem ser extraídos da comissão, não está a transferir à SUSEP a incumbência do pagamento, pelo singelo motivo de que a disciplina legal já supõe estarem incluídas as importâncias no montante relativo à comissão.

Ademais, nos arts. 39 e 40 do Decreto-Lei n. 73/1966, instrumento que cria a SUSEP, autarquia responsável pela execução da política pública elaborada pelo Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP e pela fiscalização da constituição, organização, funcionamento e operações das Sociedades Seguradoras, não há previsão específica da comissão como fonte geral de custeio da autarquia, o que culmina por confirmar seu caráter de retribuição pelos serviços específicos prestados no procedimento de liquidação extrajudicial.

Quanto ao custeio de caráter geral como agente fiscalizador do mercado supervisionado, dá-se por intermédio do recebimento das verbas referidas nos arts. 39 e 40 do Decreto-Lei n. 73/1966, mas a específica atividade de processamento e liquidação das sociedades seguradoras conta com retribuição específica, consubstanciada na comissão prevista no art. 106 do mesmo diploma legal.

Isso porque a aplicação da Lei n. 6.024/1964 às sociedades seguradoras de capitalização e às entidades de previdência privada, todavia, pela própria dicção legal, somente ocorre no que for cabível, é dizer, se houver regulação própria pela lei especial – Decreto-Lei n. 73/1966 – que seja incompatível com o conteúdo normativo da Lei n. 6.024/1964, prevalecerá a disciplina especial.

Verifica-se, portanto, que o critério para a solução da antinomia, no caso em questão, decorre da aplicação do princípio da especialidade. Por conseguinte, a incompatibilidade normativa soluciona-se pela aplicação da norma que contém elementos especializantes, subtraindo do espectro normativo da norma geral a aplicação em virtude de determinadas características que são especiais. O conflito entre os critérios cronológico e de especialidade resolve-se priorizando a regulamentação particular.

A Lei n. 6.024/1974 dispõe sobre a intervenção e a liquidação extrajudicial de instituições financeiras. Porém, o Decreto-Lei n. 73/1966 cuida doPROCESSO de liquidação de um tipo específico de instituição financeira (equiparado pelo art. 18, § 1º, da Lei n. 4.595/1964), cujo agente fiscalizador – a SUSEP – é diverso daquele que atua no sistema financeiro – o Banco Central do Brasil.

Em consequência, não é aplicável à hipótese – por se referir à liquidação de sociedade seguradora de capitalização – o art. 16, § 2º, da Lei n. 6.024/1974, que prevê a fixação dos honorários do liquidante pelo Banco Central do Brasil – aqui, a SUSEP -, pagos por conta da liquidanda.

Vale referir, finalmente, que também a Lei n. 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falências) tem similar disposição em seu art. 24, § 1º, ao prever que o total pago ao administrador judicial não excederá 5% (cinco por cento) do valor devido aos credores submetidos à recuperação judicial ou do valor de venda dos bens na falência, o que equivale, nesta última hipótese, ao ativo apurado noPROCESSO de liquidação.

  • QUINTA TURMA

PROCESSO AgRg no HC 712.529-SE, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 25/10/2022, publicado em 04/11/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL PENAL

TEMA Busca domiciliar. Habitação em prédio abandonado de escola municipal. Extensão interpretativa do conceito de domicílio. Possibilidade. Art. 5º, inciso XI da CF/1988.

DESTAQUE
A habitação em prédio abandonado de escola municipal pode caracterizar o conceito de domicílio em que incide a proteção disposta no art. 5º, inciso XI da Constituição Federal.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A Constituição da República, em seu art. 5º, inciso XI, afirma que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

O Pleno do Supremo Tribunal Federal, no exame do RE 603.616 (Tema 280/STF), reconhecido como de repercussão geral, assentou que “a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados”.

Não procede o fundamento de que o fato de o agravante habitar o prédio abandonado de uma escola municipal descaracterizaria o conceito de domicílio, para que haja proteção constitucional

Anota-se, por fim, que o Decreto n. 7.053/2009, que instituiu a Política Nacional para População em Situação de Rua, reforça a condição de moradia aos habitantes de logradouros públicos e áreas degradadas.

PROCESSO AgRg no REsp 2.015.414-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 25/10/2022.

RAMO DO DIREITO EXECUÇÃO PENAL

TEMA Cumprimento de pena privativa de liberdade. Progressão de regime. Crime hediondo com resultado morte praticado por reincidente genérico. Condenação anterior à entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019. Aplicação retroativa do art. 112, inciso VI, alínea “a”, da Lei de Execução Penal com a redação da Lei n. 13.964/2019. Possibilidade.

DESTAQUE
Aplica-se se o percentual previsto no art. 112, inciso VI, alínea “a”, da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) para a progressão de regime ao condenado por crime hediondo com resultado morte e reincidente genérico, quando a condenação tenha ocorrido antes da entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime).

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia a determinar qual seria o percentual de pena a ser cumprido para que a pessoa condenada por crime hediondo com resultado morte e reincidente genérica possa requerer a transferência para regime menos rigoroso, quando a condenação ocorreu antes da entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime).

A Terceira Seção desta Corte Superior, no julgamento dos Recursos Especiais 1.910.240/MG e 1.918.338/MT, ambos pela sistemática do recurso representativo de controvérsia, estabeleceu tese, no Tema Repetitivo n. 1.084, no sentido de que “é reconhecida a retroatividade do patamar estabelecido no art. 112, V, da Lei n. 13.964/2019, àqueles apenados que, embora tenham cometido crime hediondo ou equiparado sem resultado morte, não sejam reincidentes em delito de natureza semelhante”.

A tese estabelecida nos mencionados recursos repetitivos, limita-se à retroatividade do art. 112, inciso V, da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal – LEP), na redação da Lei n. 13.964/2019, aos condenados que, embora tenham cometido crime hediondo ou equiparado sem resultado morte, não sejam reincidentes em delito de natureza semelhante.

Conquanto tenha o relator, em obter dictum, ponderado que a parte final do art. 112, inciso VI, alínea “a”, da Lei de Execução Penal (na redação da Lei n. 13.964/2019) não seria aplicável aos condenados por crimes hediondos com resultado morte antes da entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019, fossem eles primários ou reincidentes genéricos, pois também vedaria o benefício do livramento condicional, disposição que não existiria ao tempo da vigência do art. 2º, § 2º, da Lei n. 8.072/1990, situação mais gravosa ao sentenciado, ao julgar o recurso especial, na sistemática dos recursos repetitivos, vota-se na tese final nele fixada, não necessariamente aderindo a todos os fundamentos postos no voto condutor do acórdão, sobretudo quando exarados em obiter dictum, que não tem efeito vinculante.

Dito isto, ainda que a Lei n. 13.964/2019 tenha trazido disposições sobre o livramento condicional, não promoveu alteração nem revogação expressa do texto normativo pelo qual este instituto é regido, o Código Penal, com as alterações trazidas pelas Leis n. 7.209/1984 e 13.344/2016.

Por consectário lógico, não há por que vedar a aplicação da retroatividade no tocante à fração para progressão de regime, em razão da vedação do livramento condicional, na medida em que não há combinação de leis, uma vez que esse instituto estava à época regulamentado materialmente em lei diversa da lei que dispunha sobre a progressão de regime.

Portanto, não há a criação de uma terceira lei, nem se viola a vontade do Poder Legislativo, porque o diploma legislativo que delibera sobre as regras do livramento condicional para o condenado em crime hediondo com resultado morte é o Código Penal, alterado pelas Leis n. 7.209/1984 e 13.344/2016, que permanece em plena vigência, e não as Leis n. 7.210/1984 e 8.072/1990, como no caso da progressão de regime.

Nessa linha de entendimento, recentes decisões desta Corte afirmam que a aplicação retroativa do art. 112, inciso VI, alínea “a”, da LEP aos condenados por crime hediondo ou equiparado com resultado morte, seria admissível e não prejudicial ao executado, tendo em vista que, em uma interpretação sistemática, a vedação de concessão de livramento condicional somente atingiria o período previsto para a progressão de regime, não impedindo posterior pleito com fundamento no art. 83, inciso V, do CP.

Assim, aplica-se a exigência do cumprimento de 50% (cinquenta por cento) da pena imposta à pessoa condenada por crime hediondo com resultado morte e reincidente genérica, quando a condenação ocorreu antes da entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019, para fins de obtenção de progressão de regime prisional, na forma do art. 112, inciso VI, alínea “a”, da LEP (na redação da Lei n. 13.964/2019).

  • SEXTA TURMA

PROCESSO REsp 1.982.779-AC, Rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 14/09/2022, DJe 20/09/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL PENAL

TEMA Crime praticado quando o acusado não possuía foro por prerrogativa de função. Superveniente posse no cargo de prefeito. Deslocamento da competência para o Pleno do Tribunal de Justiça. Impossibilidade.

DESTAQUE
Não sendo o crime praticado em razão e durante o exercício do cargo ou função, as regras de competência não são alteradas pela superveniente posse no cargo de Prefeito Municipal.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O foro por prerrogativa de função exige contemporaneidade e pertinência temática entre os fatos em apuração e o exercício da função pública, haja vista que o Supremo Tribunal Federal decidiu que, “não obstante as recorrentes discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca da competência absoluta em razão da prerrogativa de função, o Supremo Tribunal Federal assentou posicionamento, ainda que restrito a Deputados Federais e Senadores, de que o foro por prerrogativa de função aplica-se tão somente aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas, sendo que, terminada a instrução processual, a competência para processar e julgar ações penais não mais será afetada em razão de o agente público vir a ocupar cargo ou deixar o cargo que ocupava” (AP n. 937 QO/RJ, Rel. Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 3/5/2018).

No caso, além de o crime ser anterior à posse como chefe do Poder Executivo Municipal, o ato praticado não guarda relação com o seu cargo eletivo, não havendo que se falar em deslocamento do feito para julgamento pelo Pleno do Tribunal de Justiça.

Esta Sexta Turma entende que as regras de competência não são alteradas quando, após a prolação da sentença, um dos réus passa a exercer cargo de Prefeito Municipal, mantendo-se o julgamento do recurso interposto por órgão fracionário do Tribunal de origem.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Informativo nº 755/2022. Disponível em <https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/>

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