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PROCESSO AgInt na Pet 14.925-TO, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 11/10/2022, DJe 17/10/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEMA Embargos de divergência ajuizado contra acórdão do STJ proferido em pedido de tutela provisória. Agregação de efeito suspensivo a conflito de competência. Não cabimento. Ausência de análise de mérito de recurso especial.

Destaque:

Não há previsão legal acerca do ajuizamento de embargos de divergência contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça proferido em pedido de tutela provisória para agregar efeito suspensivo a conflito de competência.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

De acordo com o art. 266 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, “cabem embargos de divergência contra acórdão de Órgão Fracionário que, em recurso especial, divergir do julgamento atual de qualquer outro Órgão Jurisdicional deste Tribunal”.

O art. 1.043 do Código de Processo Civil também regula as hipóteses de cabimento dos embargos de divergência, previstos para impugnar acórdão proferido em recurso extraordinário ou especial.

O acórdão embargado, no caso, não foi proferido em recurso especial, mas em pedido de tutela provisória, cuja decisão não desafia os embargos de divergência, não previstos para tal hipótese.

Nesse sentido é o entendimento do STJ: “somente é possível a interposição dos embargos de divergência contra acórdão que aprecia recurso especial ou recurso extraordinário,na dicção clara do art. 1.043, caput e incisos I e III, do Código de Processo Civil; o art. 266, caput, do RISTJ também é claro ao limitar tal modalidade recursal aos recursos especiais.” (EDv nos EDcl na SEC n. 3.687/EX, relator Ministro Humberto Martins, Corte Especial, julgado em 18/10/2017, DJe de 27/10/2017).

Por fim, ressalte-se que, em tema de recursos, vigora o princípio da tipicidade, de modo que cada recurso é cabível nas hipóteses taxativamente previstas.

  • PRIMEIRA SEÇÃO

PROCESSO EDcl no AgInt no CC 184.065-SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 25/10/2022, DJe 4/11/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO DO TRABALHO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEMA Servidor ocupante de cargo em comissão. Reclamação Trabalhista. Regime celetista. Competência da Justiça Comum.

Destaque:

Compete à Justiça Comum o julgamento de controvérsia envolvendo direitos de servidor contratado para exercer cargo em comissão regido pela CLT.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Quanto à competência para julgamento de controvérsia envolvendo direitos de servidor contratado para exercer cargo em comissão, o Supremo Tribunal Federal, provocado por meio de reclamação, entende que a competência continua com a Justiça Comum mesmo se o servidor ocupante de cargo em comissão for regido pela CLT.

Nesse sentido: “(…) 1. Incompetência da Justiça Trabalhista para o processamento e o julgamento das causas que envolvam o Poder Público e servidores que sejam vinculados a ele por relação jurídico-administrativa. 2. O eventual desvirtuamento da designação temporária para o exercício de função pública, ou seja, da relação jurídico-administrativa estabelecida entre as partes, não pode ser apreciado pela Justiça do Trabalho. 3. A existência de pedido de condenação do ente local ao pagamento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS não torna a Justiça do Trabalho competente para o exame da ação. (…)” Rcl 7.039 AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 8/5/2009.

  • PRIMEIRA TURMA

PROCESSO RMS 58.436-BA, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 4/10/2022, DJe 9/11/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO ADMINISTRATIVO

TEMA Servidores públicos. Tribunais de Contas dos Municípios da Bahia. Gratificação. Previsão no estatuto estadual. Isonomia legal. Não ocorrência.

Destaque:

A vantagem pecuniária estabelecida no art. 3º da Lei n. 6.932/1996 do Estado da Bahia não pode ser aplicada em relação aos integrantes de Tribunais de Contas dos Municípios da Bahia.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Defendem os recorrentes a tese de que a legislação baiana garantiu por lei a isonomia entre as carreiras (dos servidores estaduais e municipais), pelo que não se aplicariam, no particular, os óbices da Súmula 339/STF e da Súmula Vinculante 37.

Todavia, os artigos nos quais a parte demandada ancora sua pretensão reclamam exegese diversa.

O art. 3º da Lei n. 6.932/1996 dispõe que a “Gratificação por Condições Especiais de Trabalho – CET somente poderá ser concedida no limite máximo de 125% (cento e vinte e cinco por cento) e na forma que for fixada em regulamento, com vistas a […]”.

Entretanto, a referida lei local “autoriza o reajustamento da remuneração e proventos dos servidores públicos, civis e militares, da administração direta, das autarquias e das fundações do serviço público estadual […]” (ementa da Lei n. 6.932/1996). Ou seja, o diploma legal, quanto ao reajustamento de remuneração e proventos, limitou-se a tratar da carreira dos servidores estaduais, não abrangendo a dos municipais. O Estatuto do Servidor Público do Estado da Bahia, por sua vez, rege que “o vencimento do cargo observará o princípio da isonomia, quando couber, e acrescido das vantagens de caráter individual, será irredutível, ressalvadas as relativas à natureza ou ao local de trabalho” (art. 53). Isto é, o princípio da isonomia foi mencionado no diploma legal que rege a carreira dos servidores estaduais, sem ter equiparado aquela à carreira dos servidores municipais.

A Lei n. 4.824/1989, também mencionada pela parte recorrente como garantidora da isonomia, estabelece que a “Lei que conceder aumento de remuneração aos servidores da Assembleia Legislativa e do Tribunal de Contas do Estado da Bahia deverá incluir o pessoal do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia” (art. 42).

O que este último diploma assegura, na verdade, “diz respeito apenas ao momento para a concessão de reajuste da remuneração dos servidores, que deve ser estendido aos seus associados”. Não há como, com base no referido comando normativo, entender pela completa isonomia entre a carreira dos servidores do Tribunal de Contas do Estado e a dos serventuários dos Tribunais de Contas Municipais.

Assim, ainda que a legislação, a qual impedia o recebimento acumulado da Gratificação de Produtividade com a Gratificação por Condições Especiais de Trabalho ou Pelo Regime de Tempo Integral, tenha sido revogada, para que os substituídos passassem a receber esta última vantagem, eles precisariam ser beneficiários da gratificação desde sempre, o que não era o caso.

PROCESSO AREsp 1.267.283-MG, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 27/09/2022, DJe 26/10/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEMA Art. 489, § 1º, VI, do CPC/2015. Decisão judicial. Fundamentação. Precedente. Conceito limitado. Princípio da não-surpresa. Observância. Iura novit curia.

Destaque:

A indicação de julgado simples e isolado não ostenta a natureza jurídica de “súmula, jurisprudência ou precedente” para fins de aplicação do art. 489, § 1º, VI, do CPC.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O art. 489, § 1º, VI, do CPC entende que há negativa de prestação jurisdicional quando o órgão julgador “deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.

No caso, a parte interessada, antes da oposição de embargos de declaração, indicou um único acórdão do Tribunal de origem supostamente em confronto com a decisão recorrida, por tratar de mesma questão.

Logo, a indicação de julgado simples e isolado não ostenta a natureza jurídica de “súmula, jurisprudência ou precedente” para fins de aplicação do art. 489, § 1º, VI, do CPC.

Não é jurisprudência, porque essa pressupõe multiplicidade de julgamentos no mesmo sentido, raciocínio que, de boa lógica, também exclui a hipótese de considerar um caso isolado como súmula de entendimento.

Também não se pode considerar que a expressão “precedente” abrange o julgamento de qualquer acórdão. Isso porque a interpretação sistemática do Código de Processo Civil, notadamente a leitura do art. 927, que dialoga diretamente com o 489, evidencia que “precedente” abarca somente os casos julgados na forma qualificada pelo primeiro comando normativo citado, não tendo o termo abarcado de maneira generalizada nenhuma decisão judicial.

A proteção conferida pelo Código de Processo Civil contra decisões-surpresa não pode inviabilizar que o juiz conheça do direito alegado e determine a exegese a ser aplicada ao caso.

Hipótese em que a causa foi decidida nos limites do objeto da ação, não podendo ter causado surpresa à parte se era uma das consequências previsíveis do julgamento.

Sobre o tema, esta Corte já entendeu que não se pode falar em decisão-surpresa quando o magistrado, diante dos limites da causa de pedir, do pedido e do substrato fático delineado nos autos, realiza a tipificação jurídica da pretensão no ordenamento jurídico posto, aplicando a lei adequada à solução do conflito, ainda que as partes não a tenham invocado (iura novit curia) e independentemente de ouvi-las, até porque a lei deve ser de conhecimento de todos, não podendo ninguém se dizer surpreendido com a sua aplicação (AgInt no AREsp 2.028.275/MS, rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 29/6/2022).

  • SEGUNDA TURMA 

PROCESSO REsp 2.028.321-RN, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 06/12/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEMA Aplicação de precedente qualificado pelo Tribunal de origem. Acórdão que julga agravo interno contra a inadmissibilidade de anterior recurso especial. Interposição de novo Recurso especial. Descabimento.

Destaque:

Não cabe novo recurso especial contra o acórdão que julga agravo interno em face de decisão de inadmissibilidade fundada na aplicabilidade de precedente qualificado do Supremo Tribunal Federal que teria o condão de impedir o seguimento não apenas de recurso extraordinário como também de recurso especial.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O caso concreto trata de uma ação rescisória que foi devidamente julgada e que teve o seu acórdão desafiado por via de recurso especial e de recurso extraordinário.

Ao proceder ao exame de admissibilidade de ambos, o Tribunal da origem aplicou a técnica de julgamento que consiste na verificação de que o Supremo Tribunal Federal enfrentou a controvérsia – direito à nomeação por candidato aprovado em concurso público como excedente (cadastro de reserva) – sob o regime da repercussão geral e sendo assim não apenas o recurso extraordinário deve ser obstado como também o recurso especial, isso porque o precedente qualificado deve prevalecer.

Em seguida a isso foram interpostos agravo em recurso especial e agravo em recurso extraordinário, mas no lugar de se determinar o processamento deles, com a remessa aos respectivos Tribunais, houve uma nova decisão monocrática em razão da qual se compreendeu que como a razão de inadmissibilidade estava fundada na aplicação de precedente qualificado o recurso cabível era o agravo interno em ambos os casos, e desse modo não se conheceu de ambos os agravos em recurso especial e em recurso extraordinário.

Isso ensejou uma nova impugnação, dessa feita de agravo interno, e é justamente o acórdão prolatado em tal recurso, no qual se manteve o teor da decisão de não conhecimento, que vem ao exame do Superior Tribunal de Justiça mediante novo recurso especial interposto, o que já indica o descabimento aventado inicialmente.

A sistemática do processamento do recurso especial não contempla previsão em razão da qual uma vez trancado o seu processamento, e obstada na origem a remessa do consequente agravo, haja a interposição de um novo recurso especial com a finalidade única de destravar o agravo.

Não há no sistema recursal essa possibilidade de atuação “circular” da parte, nem se admitira hipoteticamente que em havendo a negativa de seguimento ao presente apelo raro houvesse um segundo agravo em recurso especial para destrancar o seu processamento.

Essa hipótese de cabimento é inexistente, e quando muito há duas outras soluções processuais possíveis para a hipótese sob exame, quais sejam, ou a reclamação, conforme admitido, por exemplo, no AgInt na Rcl n. 43.030/SP (Relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 16/8/2022, DJe de 18/8/2022) e na Rcl n. 41.229/DF (Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 11/5/2022, DJe de 17/5/2022), ou ainda uma ação rescisória em se considerando que a decisão na origem supostamente fundara-se na aplicação de precedente qualificado, e aqui se teria a hipótese do art. 966, inciso V, § 5.º, do CPC/2015.

PROCESSO AREsp 2.231.216-SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 06/12/2022, DJe 9/12/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO TRIBUTÁRIO

TEMA Execução fiscal. Exceção de pré-executividade. Ilegitimidade passiva. Acolhimento. Honorários devidos com base no proveito econômico. Valor da dívida proporcional ao número de executados.

Destaque:

Em se tratando de exceção de pré-executividade acolhida para excluir sócio do polo passivo de execução fiscal, o proveito econômico corresponde ao valor da dívida executada, devendo ser esta a base de cálculo dos honorários advocatícios de sucumbência com aplicação do art. § 3º do art. 85 do CPC/2015.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 1.076, a depender da presença da Fazenda Pública, reservou a utilização do art. 85, § 8º, do CPC/2015, fixação por equidade, para quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo.

Também foi estabelecida uma sequência objetiva na fixação da verba, devendo a fixação ser calculada subsequentemente sobre o valor (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa.

Em se tratando de exceção de pré-executividade acolhida para excluir do polo passivo a parte recorrente, o proveito econômico corresponde ao valor da dívida executada, tendo em vista o potencial danoso que o feito executivo possuiria na vida patrimonial do executado caso a demanda judicial prosseguisse regularmente, devendo ser esta a base de cálculo dos honorários advocatícios de sucumbência.

Observe-se que, a despeito da relação jurídica de responsabilidade de caráter solidário previsto no art. 124 do CTN, que obriga cada um dos devedores a se comprometer pelo total da dívida, tal relação não afasta a relação do direito de regresso daquele que pagou em relação aos demais.

Assim, na hipótese de recebimento de honorários, o proveito econômico é o valor da dívida dividido pelo número de executados, devendo incidir os percentuais das gradações do § 3º do art. 85 do CPC/2015.

PROCESSO AgInt no REsp 2.011.917-PR, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 9/11/2022, DJe 11/11/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO TRIBUTÁRIO

TEMA Contribuição ao salário-educação. Pessoa física titular de cartório. Inexigibilidade.

Destaque:

As pessoas físicas titulares de serviços notariais e de registro não se enquadram na definição de sujeito passivo da contribuição para o salário-educação.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Na forma da jurisprudência do STJ, firmada sob o rito dos recursos repetitivos, “a contribuição para o salário-educação tem como sujeito passivo as empresas, assim entendidas as firmas individuais ou sociedades que assumam o risco de atividade econômica, urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, em consonância com o art. 15 da Lei 9.424/96, regulamentado pelo Decreto 3.142/99, sucedido pelo Decreto 6.003/2006” (STJ, REsp 1.162.307/RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJe 3/12/2010).

Nos termos, ainda, da jurisprudência desta Corte, “a definição do sujeito passivo da obrigação tributária referente à contribuição ao salário-educação foi realizada pelo art. 1º, § 3º, da Lei 9.766/98, pelo art. 2º, § 1º, do Decreto 3.142/99 e, posteriormente, pelo art. 2º, do Decreto 6.003/2006. Sendo assim, em havendo lei específica e regulamento específico, não se aplica à contribuição ao salário-educação o disposto no parágrafo único do art. 15 da Lei 8.212/91, que estabelece a equiparação de contribuintes individuais e pessoas físicas a empresas no que diz respeito às contribuições previdenciárias” (STJ, REsp 1.812.828/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 31/8/2022).

Com relação às pessoas físicas titulares de serviços notariais e de registro, este Tribunal já proclamou que elas não se enquadram na definição de sujeito passivo da contribuição para o salário-educação, ao fundamento de que “o art. 178 da CF/69 indica como sujeito passivo da contribuição para o salário-educação as empresas comerciais, industriais e agrícolas. O Tabelionato de Notas é uma serventia judicial, que desenvolve atividade estatal típica, não se enquadrando como empresa” (STJ, REsp 262.972/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJU 27/5/2002).

  • TERCEIRA TURMA

PROCESSO REsp 1.935.852-GO, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por maioria, julgado em 4/10/2022, DJe 10/11/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEMA Exclusão de litisconsorte passivo. Concordância do autor. Extinção do processo em relação à parte ilegítima. Honorários advocatícios. Novas regras: CPC/2015, art. 85, §§ 2º e 8º. Regra geral obrigatória (art. 85, § 2º). Regra subsidiária (art. 85, § 8º). Aplicação analógica do art. 338, parágrafo único, do CPC/2015.

Destaque:

O arbitramento de honorários advocatícios em caso de exclusão de litisconsorte, ainda no início do trâmite processual, sem qualquer oposição do autor, deve observar a regra do art. 338, parágrafo único, do CPC/2015.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a discussão à fixação dos honorários advocatícios em caso de julgamento parcial do mérito, excluindo-se da lide litisconsorte considerada parte ilegítima na relação processual.

A regra do § 2º do art. 85 do CPC/2015 determina que os honorários advocatícios sejam fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.

Já a disposição do § 8º do referido dispositivo legal prescreve que, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.

Efetivamente, a Segunda Seção deste Tribunal Superior, no julgamento do REsp 1.746.072/PR, decidiu que os honorários advocatícios de sucumbência devem ser fixados, via de regra, sobre o valor do proveito econômico obtido ou, não sendo possível quantificar o proveito econômico do vencedor da demanda, sobre o valor atualizado da causa.

Excepcionalmente, poderão ser fixados por apreciação equitativa, havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico, ou em que o valor da causa for muito baixo.

Entretanto, no caso, trata-se de fixação de honorários advocatícios em caso de exclusão de litisconsorte, ainda no início do trâmite processual, sem oposição alguma da autora.

Sobreleva o recente julgado desta Terceira Turma concluir que o juiz, ao reconhecer a ilegitimidade ad causam de um dos litisconsortes passivos e excluí-lo da lide, não está obrigado a fixar, em seu benefício, honorários advocatícios sucumbenciais mínimos de 10% sobre o valor da causa.

Afastada a impossibilidade de fixação dos honorários advocatícios abaixo do mínimo legal previsto na regra geral do art. 85, § 2º, do CPC, a verba deve ser majorada, em razão da possibilidade de distinção, com fundamento no art. 338 do CPC/2015.

  • QUARTA TURMA  

PROCESSO Processo sob segredo judicial, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/11/2022, DJe 21/11/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEMA Agravo em Recurso Especial. Ausência de procuração do advogado subscritor do agravo. Documento nos autos principais. Impossibilidade de conhecimento do recurso interposto para as instâncias superiores. Súmula 115/STJ.

Destaque:

A procuração juntada em outro processo conexo ou incidental, não apensado ao principal, não produz efeito em favor do recorrente no Superior Tribunal de Justiça.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O art. 76, § 2º, I, do CPC/2015 prevê que não se conhece do recurso quando a parte recorrente, apesar de intimada, deixa de sanar vício na representação processual no prazo fixado.

A alegação da existência de procuração nos autos principais pelo recorrente não é capaz de sanar o vício.

A jurisprudência do STJ é no sentido de que “a procuração juntada em outro processo conexo ou incidental, não apensado, não produz efeito em favor do recorrente neste Tribunal Superior. O entendimento uniforme é de que cabe ao recorrente diligenciar, nos autos do recurso a ser julgado nesta Corte, a regularidade da representação processual mediante a juntada do respectivo instrumento de mandato e da cadeia de substabelecimentos existente, passada ao subscritor da peça recursal. Sem isso, não se pode, de fato, conhecer do recurso” (AgInt nos EAREsp 416.557/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 28/9/2016, DJe 07/10/2016).

PROCESSO REsp 1.992.192-SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por maioria, julgado em 6/12/2022.

RAMO DO DIREITO RECUPERAÇÃO JUDICIAL

TEMA Recuperação judicial. Assembleia geral de credores. Credor que se abstém de votar. Cômputo como voto positivo. Descabimento. Não composição do quorum de deliberação. Equiparação a credor ausente.

Destaque:

Na apuração do resultado de votação em assembleia geral de credores, somente serão computados os votos daqueles que efetivamente se manifestaram pela aprovação ou rejeição do plano de recuperação, não se considerando a abstenção para qualquer efeito.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a determinar como devem ser consideradas as abstenções para apuração do resultado de votação em assembleia geral de credores, no âmbito de recuperação judicial.

Conforme dispõem os arts. 42 e 45 da Lei n. 11.101/2005, a aprovação da proposta do plano de recuperação judicial apresentada pelo devedor exige a obtenção de “votos favoráveis de credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembleia-geral”.

No entanto, diante da lacuna na lei quanto à qualificação do credor que, apesar de presente na assembleia geral, se abstém do exercício do seu direito de voto, não se mostra viável compreender, que aquele que não manifesta sua posição, independentemente do motivo, anuiu com o plano proposto, de modo a computar sua abstenção como apta a compor a aprovação do plano de recuperação judicial.

Nessa hipótese, não se apresenta possível a aplicação do disposto no art. 111 do Código Civil de 2002 que estabelece: “O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa”, porquanto a Lei n. 11.101/2005 impõe a necessidade de votação favorável da maioria dos credores, ou seja, é imprescindível a declaração de vontade expressa favorável para a aprovação do plano de recuperação.

Desse modo, não é possível conferir-se uma interpretação extensiva ao artigo 45 da Lei n. 11.101/05 para atribuir à abstenção a qualidade de voto “positivo (sim)”, porquanto a lei de regência exige a manifestação expressa e favorável dos credores, para efeito de aprovação do plano recuperacional, sendo inviável a mera presunção de anuência.

Por fim, ao credor que, presente na assembleia geral, se abstém de votar, deve ser conferido o mesmo tratamento dado ao credor ausente, ou seja, não pode compor o quorum de deliberação, seja pelo valor do crédito seja pelo número de credores, pois a abstenção não pode influenciar no resultado da deliberação pela aprovação ou rejeição da proposta.

  • QUINTA TURMA  

PROCESSO RCD no AgRg no HC 746.844-SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 8/11/2022, DJe 11/11/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

TEMA Pedido de Reconsideração. Interposição contra acórdão. Ausência de previsão legal. Descabimento. Recebimento como embargos declaratórios. Princípio da fungibilidade recursal. Inaplicabilidade. Erro grosseiro.

Destaque:

É manifestamente incabível pedido de reconsideração em face de acórdão, bem como o seu recebimento como embargos de declaração ante a inadmissibilidade da incidência do princípio da fungibilidade recursal quando constatada a ocorrência de erro inescusável.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Afigura-se descabido formular pedido de reconsideração contra acórdão, ante a ausência de previsão legal ou regimental, só se vislumbrando a sua possibilidade em face de decisão monocrática.

Deve ser destacado, ainda, ser inviável a incidência do princípio da fungibilidade recursal, a fim de receber o presente pedido como embargos de declaração, diante da existência de erro inescusável, conforme entendimento assente nesta Corte (AgRg nos EDcl no AgRg no HC 570.813/RJ, Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 15/9/2020, DJe de 21/9/2020).

PROCESSO AgRg no HC 754.913-MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 6/12/2022.

RAMO DO DIREITO EXECUÇÃO PENAL

TEMA Lei n. 13.964/2019. Pacote Anticrime. Tráfico de drogas. Caráter hediondo. Manutenção. Alteração restrita ao tráfico privilegiado. Art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006.

Destaque:

A Lei n. 13.964/2019, ao promover alterações na Lei de Execução Penal, apenas afastou o caráter hediondo ou equiparado do tráfico privilegiado, nada dispondo sobre os demais dispositivos da Lei de Drogas.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A equiparação a hediondo do delito de tráfico de drogas decorre de previsão constitucional constante no art. 5º, XLIII, da Constituição Federal, que trata com mais rigor os crimes de maior reprovabilidade.

Ocorre que a Lei n. 13.964/2019, conhecida como “Pacote Anticrime”, ao promover alterações na Lei de Execução Penal, apenas afastou o caráter hediondo ou equiparado do tráfico privilegiado, previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, nada dispondo sobre os demais dispositivos da Lei de Drogas.

Assim dispõe o art. 112, § 5º, da Lei n. 7.210/1984, incluído pela Lei n. 13.964/2019: “Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos: […] § 5º Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006”.

  • SEXTA TURMA   

PROCESSO HC 754.789-RS, Rel. Ministro Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 6/12/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

TEMA Estabelecimento comercial. Invasão do imóvel sem mandado judicial. Local aberto ao público. Inviolabilidade de domicílio. Não ocorrência.

Destaque:

A abordagem policial em estabelecimento comercial, ainda que a diligência tenha ocorrido quando não havia mais clientes, é hipótese de local aberto ao público, que não recebe a proteção constitucional da inviolabilidade do domicílio.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Nos termos do art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal, “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

Consoante decidido no RE 603.616/RO, pelo Supremo Tribunal Federal, “a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que, dentro da casa, ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil, e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados”.

Todavia, no caso, verifica-se que os policiais afirmaram que “havia uma investigação em andamento relativa a um roubo de carga, tendo sido veiculada denúncia anônima dando conta de que parte do carregamento subtraído estava nas dependências da borracharia pertencente ao réu, diante do que procederam à diligência local”.

Em razão de haver investigações em curso, relativa ao roubo de uma carga, os policiais diligenciaram no local indicado. Aguardaram até não mais ter clientes nas dependências do estabelecimento, quando abordaram o acusado, que, de pronto, indicou o local em que estocada a res furtiva.

Portanto, a abordagem policial foi realizada em um imóvel no qual funcionava estabelecimento comercial, e, mesmo que a diligência tenha ocorrido quando não havia mais clientes, no horário em que o proprietário iria fechar a borracharia, a hipótese passa a ser de local aberto ao público.

Desse modo, como se trata de estabelecimento comercial – em funcionamento e aberto ao público – não pode receber a proteção que a Constituição Federal confere à casa. Assim, não há violação à garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio, a caracterizar a ocorrência de constrangimento ilegal.

PROCESSO HC 762.932-SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 22/11/2022, DJe 30/11/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

TEMA Denúncia anônima. Porte de arma de fogo. Prisão em flagrante distante do domicílio. Busca domiciliar subsequente. Antecedente por tráfico de drogas. Ausência de fundadas razões. Fundamento inidôneo. Consentimento válido do morador. Inexistência. Coação ambiental/circunstancial. Vício na manifestação de vontade. Fishing expedition. Configuração.

Destaque:

O simples fato de o acusado ter antecedente por tráfico de drogas não autoriza a realização de busca domiciliar, porquanto desacompanhado de outros indícios concretos e robustos de que, nesse momento específico, ele guarda drogas em sua residência.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo – a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno – quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010).

Ao julgar o REsp n. 1.574.681/RS (DJe 30/5/2017), esta colenda Sexta Turma decidiu, à unanimidade, que não se há de admitir que a mera constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, justifique a medida. Se o próprio juiz só pode determinar a busca e apreensão durante o dia, e mesmo assim mediante decisão devidamente fundamentada, após prévia análise dos requisitos autorizadores da medida, não seria razoável conferir a um servidor da segurança pública total discricionariedade para, a partir de mera capacidade intuitiva, entrar de maneira forçada na residência de alguém e, então, verificar se nela há ou não alguma substância entorpecente. A ausência de justificativas e de elementos seguros a autorizar a ação dos agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativamente à ocorrência de tráfico de drogas, pode acabar esvaziando o próprio direito à privacidade e à inviolabilidade de sua condição fundamental.

No referido julgamento, concluiu-se, portanto, que, para legitimar-se o ingresso em domicílio alheio, é necessário tenha a autoridade policial fundadas razões para acreditar, com lastro em circunstâncias objetivas, no atual ou iminente cometimento de crime no local onde a diligência vai ser cumprida.

No caso, os policiais receberam uma denúncia anônima segundo a qual o acusado estava com uma arma de fogo em via pública, razão por que o abordaram e encontraram a referida arma. Depois disso, decidiram ir até a sua residência e entraram no imóvel com a suposta autorização do paciente, oportunidade em que soltaram cães farejadores de drogas, sob a justificativa de que o réu tinha um antecedente por tráfico.

Não houve referência a prévia investigação, monitoramento ou campanas no local, a afastar a hipótese de que se tratava de averiguação de informações robustas e atuais acerca da existência de drogas naquele lugar. Da mesma forma, não se fez menção a nenhuma atitude suspeita, externalizada em atos concretos, tampouco movimentação de pessoas típica de comercialização de drogas. A denúncia anônima, aliás, nem sequer tratava da presença de entorpecentes no imóvel, mas sim do porte de arma de fogo em via pública distante do domicílio, a qual já havia sido encontrada e apreendida.

O simples fato de o acusado ter um antecedente por tráfico não autorizava a realização de busca domiciliar, porquanto desacompanhado de outros indícios concretos e robustos de que, naquele momento específico, ele guardava drogas em sua residência.

Admitir a validade desse fundamento para, isoladamente, autorizar essa diligência invasiva, implicaria, em última análise, permitir que todo indivíduo que um dia teve algum registro criminal na vida tenha seu lar diuturnamente vasculhado pelas forças policiais, a ensejar, além da inadmissível prevalência do “Direito Penal do autor”” sobre o “Direito Penal do fato”, uma espécie de perpetuação da pena restritiva de liberdade, por vezes até antes que ela seja imposta.

Isso porque, mesmo depois de cumprida a sanção penal (ou até antes da condenação), todo sentenciado (ou acusado ou investigado) poderia ter sua residência vistoriada, a qualquer momento, para “averiguação” da existência de drogas, como se a anotação criminal lhe despisse para todo o sempre da presunção de inocência e da garantia da inviolabilidade domiciliar, além de lhe impingir uma marca indelével de suspeição.

As regras de experiência e o senso comum, somados às peculiaridades do caso concreto, não conferem verossimilhança à afirmação dos agentes policiais de que o paciente, depois de ser abordado e preso por porte de arma de fogo em via pública distante de sua residência, sabendo ter drogas em casa, haveria livre e espontaneamente franqueado a realização de buscas no imóvel com cães farejadores, os quais fatalmente encontrariam tais substâncias.

Em verdade, caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modo inequívoco, que o consentimento do morador foi livremente prestado, ou que, na espécie, havia em curso na residência uma clara situação de comércio espúrio de droga, a autorizar, pois, o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento válido do morador.

Mesmo se ausente coação direta e explícita sobre o acusado, as circunstâncias de ele já haver sido preso em flagrante pelo porte da arma de fogo em via pública e estar detido, sozinho – sem a oportunidade de ser assistido por defesa técnica e sem mínimo esclarecimento sobre seus direitos -, diante de dois policiais armados, poderiam macular a validade de eventual consentimento (caso provado), em virtude da existência de um constrangimento ambiental/circunstancial. Isso porque a prova do consentimento do morador é um requisito necessário, mas não suficiente, por si só, para legitimar a diligência policial, porquanto deve ser assegurado que tal consentimento, além de existente, seja válido, isto é, livre de vícios aptos a afetar a manifestação de vontade.

O art. 152 do Código Civil, ao disciplinar a coação como um dos vícios do consentimento nos negócios jurídicos, dispõe que: “No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela”. Se, no Direito Civil, que envolve, em regra, direitos patrimoniais disponíveis, em uma relação equilibrada entre particulares, todas as circunstâncias que possam influir na liberdade de manifestação da vontade devem ser consideradas, com muito mais razão isso deve ocorrer no Direito Penal (lato sensu), que trata de direitos indisponíveis de um indivíduo diante do poderio do Estado, em relação manifestamente desigual.

Retomando a situação em análise, uma vez que o acusado já estava preso por porte de arma de fogo em via pública, sozinho, diante de dois policiais armados, sem a opção de ser assistido por defesa técnica e sem mínimo esclarecimento sobre seus direitos, não é crível que estivesse em plenas condições de prestar livre e válido consentimento para que os agentes de segurança estendessem a diligência com uma varredura especulativa auxiliada por cães farejadores em seu domicílio à procura de drogas, a ponto de lhe impor uma provável condenação de 5 a 15 anos de reclusão, além da pena prevista para o crime do art. 14 do Estatuto do Desarmamento, no qual já havia incorrido.

A diligência policial, no caso dos autos, a rigor, configurou verdadeira pescaria probatória (fishing expedition) no domicílio do acusado, definida pela doutrina como a “Apropriação de meios legais para, sem objetivo traçado, ‘pescar’ qualquer espécie de evidência, tendo ou não relação com o caso concreto. Trata-se de uma investigação especulativa e indiscriminada, sem objetivo certo ou declarado, que, de forma ampla e genérica, ‘lança’ suas redes com a esperança de ‘pescar’ qualquer prova, para subsidiar uma futura acusação ou para tentar justificar uma ação já iniciada”.

Com efeito, uma vez que a arma de fogo mencionada na denúncia anônima já havia sido apreendida com o paciente em via pública (distante da residência, frise-se) e não existia nenhum indício concreto, nem sequer informação apócrifa, quanto à presença de drogas no interior do imóvel, não havia razão legítima para que os agentes de segurança se dirigissem até o local e realizassem varredura meramente especulativa à procura de entorpecentes com cães farejadores. Cabia-lhes, apenas, diante do encontro da arma de fogo em via pública, conduzir o réu à delegacia para a lavratura do auto de prisão em flagrante.

PROCESSO HC 762.932-SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 22/11/2022, DJe 30/11/2022.

RAMO DO DIREITO DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

TEMA Busca domiciliar. Consentimento válido do morador. Prévia prisão em flagrante. Ausência de defesa técnica. Ausência de esclarecimento sobre seus direitos. Coação ambiental/circunstancial. Vício na manifestação de vontade.

Destaque:

Mesmo se ausente coação direta e explícita sobre o acusado, as circunstâncias de ele já haver sido preso em flagrante pelo porte da arma de fogo em via pública e estar detido, sozinho – sem a oportunidade de ser assistido por defesa técnica e sem mínimo esclarecimento sobre seus direitos -, diante de dois policiais armados, poderiam macular a validade de eventual consentimento para a realização de busca domiciliar, em virtude da existência de um constrangimento ambiental/circunstancial.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Mesmo se ausente coação direta e explícita sobre o acusado, as circunstâncias de ele já haver sido preso em flagrante pelo porte da arma de fogo em via pública e estar detido, sozinho – sem a oportunidade de ser assistido por defesa técnica e sem mínimo esclarecimento sobre seus direitos -, diante de dois policiais armados, poderiam macular a validade de eventual consentimento (caso provado), em virtude da existência de um constrangimento ambiental/circunstancial. Isso porque a prova do consentimento do morador para a realização de busca domiciliar é um requisito necessário, mas não suficiente, por si só, para legitimá-la, porquanto deve ser assegurado que tal consentimento, além de existente, seja válido, isto é, livre de vícios aptos a afetar a manifestação de vontade.

Na doutrina e na jurisprudência norte-americanas, dedicadas há décadas a analisar o tema do consentimento do morador, a compreensão geral é a de que, para ser válido, ele “deve ser inequívoco, específico e conscientemente dado, não contaminado por qualquer truculência ou coerção.

Em Scheneckloth v. Bustamonte, 412 U.S. 218 (1973), a Suprema Corte dos Estados Unidos estabeleceu algumas orientações sobre o significado do termo “consentimento”. Decidiu-se que as buscas mediante consentimento do morador (ou, como no caso, do ocupante do automóvel onde se realizou a busca) são permitidas, “mas o Estado carrega o ônus de provar ‘que o consentimento foi, de fato, livre e voluntariamente dado'”.

O consentimento não é livre quando de alguma forma se percebe uma coação da sua vontade. A Corte indicou que o teste da “totality of circumstances” deve ser aplicado mentalmente, considerando fatores subjetivos, relativos ao próprio suspeito (i.e., se ele é particularmente vulnerável devido à falta de estudos, baixa inteligência, perturbação mental ou intoxicação por drogas ou álcool) e fatores objetivos que sugerem coação (se estava detido, se os policiais estavam com suas armas à vista, ou se lhe disseram ter o direito de realizar a busca, ou exercitaram outras formas de sutil coerção), entre outras hipóteses que poderiam interferir no livre assentimento do suspeito. Em geral, “quando um promotor se apoia no consentimento para justificar a legalidade de uma busca, ele tem o ônus de provar que o consentimento foi, de fato, dado livre e voluntariamente”.

São as seguintes as diretrizes construídas pela Suprema Corte para aferir a validade do ingresso domiciliar por agentes policiais: 1. Número de policiais; 2. Suspeito cercado de policiais; 3. Atitude dos policiais; 4. Exigência da busca; 5. Ameaças ao suspeito; 6. Hora da diligência.

O art. 152 do Código Civil, ao disciplinar a coação como um dos vícios do consentimento nos negócios jurídicos, dispõe que: “No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela”. De acordo com a doutrina, a declaração de vontade diz respeito à existência do negócio, mas só se poderá considerar válida tal declaração (plano da validade) se assegurada a sua total lisura.

Se, no Direito Civil, que envolve, em regra, direitos patrimoniais disponíveis, em uma relação equilibrada entre particulares, todas as circunstâncias que possam influir na liberdade da manifestação de vontade devem ser consideradas, com muito mais razão isso deve ocorrer no Direito Penal (lato sensu), que trata de direitos indisponíveis de um indivíduo diante do poderio do Estado, em relação manifestamente desigual.

É justamente essa disparidade de forças, aliás, somada à ausência de liberdade negocial concreta, que leva ao frequente reconhecimento da invalidade da manifestação de vontade da parte hipossuficiente no âmbito do Direito do Consumidor, mesmo quando externada por escrito e relativa a direitos disponíveis, em virtude da abusividade de cláusulas impostas pelo lado mais forte, nos termos, por exemplo, do art. 51, IV do Código de Defesa do Consumidor.

Não se pretende, em absoluto, relacionar a invalidade da manifestação de vontade do réu, necessariamente, à constatação de violência policial explícita e dolosa, vale dizer, à existência de coação direta. Conforme se demonstrou acima, com base na jurisprudência da Suprema Corte dos EUA, muitas vezes o constrangimento pode ser causado implicitamente pelo aparato policial ao indivíduo em virtude de circunstâncias objetivas da abordagem em cotejo com as condições pessoais do sujeito interpelado. A coação é circunstancial.

Em outras palavras, não se trata de menoscabar a valorosa atividade policial ou de presumir a prática de abuso por parte dos agentes de segurança pública, mas apenas de se ponderar o receio e a impossibilidade concreta dos cidadãos, em certos contextos fáticos, de contrariar as solicitações feitas por autoridades estatais.

Para auxiliar na compreensão desta ideia, é pertinente lembrar do chamado metus publicae potestatis, consistente no temor do particular diante de uma autoridade pública (em tradução literal “medo do poder público”), figura considerada pela doutrina para distinguir, por exemplo, o crime de extorsão do crime de concussão, tipo penal cujo núcleo “exigir” pode se configurar em razão dessa intimidação contextual/ambiental, a despeito da ausência de violência ou ameaça expressas por parte do funcionário público.

Na hipótese dos autos, uma vez que o acusado já estava preso por porte de arma de fogo em via pública, sozinho, diante de dois policiais armados, sem a opção de ser assistido por defesa técnica e sem mínimo esclarecimento sobre seus direitos, não é crível que estivesse em plenas condições de prestar livre e válido consentimento para que os agentes de segurança estendessem a diligência com uma varredura especulativa auxiliada por cães farejadores em seu domicílio à procura de drogas, a ponto de lhe impor uma provável condenação de 5 a 15 anos de reclusão, além da pena prevista para o crime do art. 14 do Estatuto do Desarmamento, no qual já havia incorrido.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Informativo nº 760/2022. Disponível  em: https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo

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