O Supremo Tribunal Federal (STF) recentemente analisou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.545/RJ, que questionou a constitucionalidade da Lei 3.990/2002 do Estado do Rio de Janeiro.
A referida lei determinava a coleta compulsória de material genético de mães e bebês na sala de parto e seu subsequente armazenamento à disposição da Justiça para fins de evitar a troca de recém-nascidos nas unidades de saúde. Neste artigo, examinaremos a decisão do STF e seus fundamentos, abordando as diversas leis relacionadas com a decisão.
Discussão no STF
A discussão central da ADI 5.545/RJ envolveu o conflito entre o direito à filiação biológica e os direitos fundamentais à intimidade, privacidade e autodeterminação informativa. A Constituição Federal de 1988 (CF/88) protege esses direitos fundamentais em seu artigo 5º, inciso X, e, de acordo com a decisão do STF, a norma estadual violou esses direitos ao impor a coleta compulsória de material genético de mães e bebês sem prévio consentimento (STF, 2023).
Diversas leis relacionadas com a decisão do STF foram analisadas durante o julgamento. Entre elas, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei 13.709/2018) estabelece regras para a coleta, tratamento e armazenamento de dados pessoais, incluindo os dados sensíveis, como é o caso dos dados genéticos (BRASIL, 2018). A Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005) também foi mencionada, pois trata da utilização de informações genéticas e sua proteção (BRASIL, 2005).
Decisão da Corte
A decisão do STF apontou que a lei impugnada, ao obrigar a coleta e o armazenamento de material genético sem consentimento, violava a autonomia da vontade das parturientes e comprometia a autodeterminação informativa dos titulares dos dados (STF, 2023). Além disso, a falta de previsão quanto à destinação dos dados e aos mecanismos de coleta, guarda e exclusão permitia a utilização do material coletado para quaisquer interesses, como a mercantilização e o perfilamento dos dados, podendo resultar em violações a direitos fundamentais, como a discriminação genética.
A Corte entendeu que existem medidas mais efetivas, menos custosas e menos interventivas na esfera privada dos indivíduos para evitar a troca de bebês nas unidades de saúde. Entre essas medidas, destacam-se o uso de pulseiras numeradas na mãe e no filho, grampo umbilical, identificação da gestante no momento da admissão e a possibilidade de permanência do pai no momento do nascimento do filho (Lei 3.990/2002, RJ).
Diante desses argumentos, o STF, por unanimidade, declarou a inconstitucionalidade dos artigos 1º, parte final, e 2º, III, ambos da Lei 3.990/2002 do Estado do Rio de Janeiro (STF, 2023). A decisão reforça a importância da proteção dos direitos fundamentais à intimidade, privacidade e autodeterminação informativa, bem como a necessidade de observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Esta decisão tem um impacto significativo no âmbito do Direito Civil – Família e das Relações de Parentesco, assim como no Direito Constitucional, ao proteger os direitos e garantias fundamentais, a proteção da intimidade e o sigilo de dados. A discussão envolveu várias leis relacionadas, como a LGPD e a Lei de Biossegurança, demonstrando a complexidade e a inter-relação entre os diversos ramos do Direito.
Para os advogados e estudantes de Direito, é essencial compreender a fundamentação e as implicações dessa decisão. Além de reforçar a importância dos direitos fundamentais, ela evidencia a necessidade de se buscar meios menos invasivos e mais proporcionais para a proteção de interesses legítimos, como o direito à filiação biológica, sem comprometer a privacidade e a autodeterminação dos indivíduos envolvidos.
Referências bibliográficas:
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ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Lei nº 3.990, de 30 de dezembro de 2002. Ficam os hospitais, casas de saúde e maternidades, públicos ou privados, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, obrigados a adotarem medidas de segurança que evitem, impeçam ou dificultem a troca de recém-nascidos em suas dependências, bem como permitam a identificação posterior, através de exame de DNA comparativo em casos de dúvida. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, 31 dez. 2002. Disponível em: http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/CONTLEI.NSF/c8aa090030586e83832567c9005a0386/0325766c03251a8c03256c8f006efb64?OpenDocument. Acesso em: 25 abr. 2023.
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