SUBSEÇÃO II ESPECIALIZADA EM DISSÍDIOS INDIVIDUAIS
Recurso ordinário em mandado de segurança. Provimento. Decisão que concedeu tutela antecipada de evidência sem observância dos requisitos do art. 311 do CPC de 2015. Cabimento excepcional de mandado de segurança, em face da inexistência de recurso próprio. Súmula 414, II, do TST.
A concessão de tutela de evidência, inaudita altera pars, para reintegração liminar do reclamante aos quadros da empresa, exige a comprovação do direito exclusivamente por prova documental, conforme o disposto no art. 311, II, do CPC de 2015.
Na hipótese, restou consignado que, para comprovar a existência de incapacidade laborativa do reclamante decorrente de doença do trabalho, seria necessária a realização de prova pericial.
Sob esses fundamentos, a SDI-II, à unanimidade, conheceu do recurso ordinário e, no mérito, deu-lhe provimento para conceder a ordem de segurança pleiteada e cassar o Ato Coator, no que tange à determinação de reintegração liminar do Litisconsorte passivo.
(TST-ROT-5757-64.2022.5.15.0000, SBDI-II, rel. Min. Luiz José Dezena da Silva, julgado em 4/10/2022.)
Mandado de Segurança. Medida atípica de execução. Impedimento à participação de clube de futebol profissional em competições esportivas.
Abusividade da medida proibitiva. Inobservância dos parâmetros de necessidade, adequação e proporcionalidade. Violação do direito fundamental ao livre exercício de atividade econômica.
Viola direito líquido e certo decisão judicial que adota medida proibitiva em face de clube de futebol profissional, consubstanciada no impedimento à participação em competições esportivas, enquanto perdurar o inadimplemento de ordem judicial anterior, sem que haja demonstração da existência de ocultação de bens ou, ainda, da forma como a adoção de tal medida extrema irá viabilizar o pagamento do crédito exequendo, notadamente por ser esse o meio pelo qual o impetrante poderá auferir renda. Trata-se de medida abusiva que, além de ofender o direito fundamental do livre exercício da atividade econômica, ao obstar o exercício da principal atividade do clube de futebol profissional, não se revela útil, proporcional e adequada à satisfação do crédito exequendo.
A rigor, as medidas de execução atípicas (CPC/2015, art. 139, IV) devem ser adotadas, quando demonstrado prévio esgotamento das medidas típicas de execução e verificada a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, o que não se evidencia no caso concreto.
Com esses fundamentos, a SBDI-II, por unanimidade, conheceu do agravo do Ministério Público do Trabalho e, no mérito, negou-lhe provimento.
(TST-Ag-ROT-80384-78.2021.5.22.0000, SBDI-II, rel. Min. Amaury Rodrigues Pinto Junior, julgado em 4/10/2022.)
Recurso ordinário em ação rescisória. Execução. Pretensão rescisória direcionada a acórdão que meramente reproduz matéria analisada na fase de conhecimento.
Encontra óbice nos limites da coisa julgada a pretensão rescisória formulada contra decisão, proferida em sede de execução, que apenas reproduz matéria já apreciada na fase de conhecimento. No caso, o direito dos autores ao enquadramento funcional como Defensores Públicos, 3ª Classe, do Estado da Bahia, foi reconhecido após o ajuizamento de ação declaratória, em 1990.
Posteriormente, na reclamação trabalhista subjacente, condenou-se o ente público ao pagamento de diferenças salariais decorrentes do provimento declaratório anterior, decisão que limitou a condenação a 26/09/1994, em razão da transmudação para o regime jurídico estatutário, e cujo trânsito em julgado operou-se em 2012. Na fase executiva, foi novamente imposta ao executado obrigação de fazer relacionada ao enquadramento funcional, equívoco afastado no acórdão ora rescindendo após a oposição de embargos de declaração pelo Estado da Bahia.
Nesse contexto, afigura-se incabível o corte rescisório direcionado ao comando judicial reproduzido na execução. O correto seria o ajuizamento de ação rescisória contra o acórdão proferido em fase de conhecimento, mas em relação a este consolidou-se a decadência, uma vez que inobservado o prazo do art. 495 do CPC/1973. Sob esse fundamento, a SBDI-II, por unanimidade, conheceu e deu parcial provimento ao recurso ordinário dos autores para afastar a declaração de inépcia da petição inicial, mas, prosseguindo no exame do mérito, julgar a ação rescisória improcedente.
(TST-ROT-1385-56.2019.5.05.0000, SBDI-II, rel. Min. Morgana de Almeida Richa, julgado em 18/10/2022.)
TURMAS
Transcrição de ementas selecionadas nas sessões de julgamento das Turmas do TST.
“RECURSO DE REVISTA. APELO INTERPOSTO APÓS A LEI N° 13.105/2014. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. MOTORISTA DE CARGA. PRESENÇA DOS REQUISITOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO. ARTIGOS 3° E 9° DA CLT. FRAUDE NA CARACTERIZAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TRANSPORTE.
O Tribunal Regional, analisando as provas dos autos, reformou a sentença e declarou a inexistência de fraude na contratação dos serviços de transporte prestados pelo autor. Ocorre que, não obstante o Tribunal Regional tenha concluído pela caracterização da prestação de serviço de transporte pelo autor, consignou no acórdão elementos que demonstram a fraude, em virtude da exigência pejotização e o preenchimento de todos os requisitos da relação de emprego (pessoa física, pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosidade).
Consta do acórdão regional que: “a reclamada pediu que o reclamante abrisse a sua própria firma” (pessoa física); que o reclamante “não podia recusar o serviço”, nem se fazer substituir (pessoalidade); que os serviços eram prestados de forma habitual, de “3 a 5 vezes por semana”, (não eventualidade), exclusivamente para a reclamada; que a reclamada “determinava quais cargas o reclamante iria entregar” e “ligava para perguntar quais entregas já tinham sido feitas”, que o “reclamante usava uniforme” e “participava das reuniões” (subordinação).
Encontra-se consignado ainda que, em relação à onerosidade, o Tribunal Regional descarta o vínculo empregatício pela simples constatação de que os valores percebidos pelo reclamante eram maiores que aos pagos aos empregados da empresa. Tal observação não descaracteriza a existência do vínculo, uma vez que como também restou consignado, a reclamada, empresa de laticínios, não possuía motoristas empregados, o que afasta qualquer parâmetro de salário a ser utilizado.
Diante da delimitação fática do acórdão regional, especialmente pela exigência para criação de pessoa jurídica pelo reclamante, bem como pela presença de todos os requisitos do vínculo de emprego, não é possível concluir pela inexistência da relação empregatícia por afronta direta aos arts. 3º e 9º da CLT. Recurso de revista conhecido e provido.”
(TST-RR-11715-20.2015.5.03.0094, 2ª Turma, rel. Min. Maria Helena Mallmann, julgado em 19/10/2022)
“RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. CESSÃO TEMPORÁRIA. RESPONSABILIDADE DO CLUBE CEDENTE PELO RECOLHIMENTO DO FGTS.
Cinge-se a controvérsia acerca da responsabilidade pelos encargos decorrentes do contrato de trabalho na cessão temporária do atleta profissional de futebol. Para a compreensão dos efeitos da cessão temporária, inicialmente, cabe destacar que o contrato especial de trabalho desportivo firmado entre o atleta profissional e a entidade de prática desportiva dá origem a dois vínculos distintos e independentes, quais sejam: o vínculo empregatício e o vínculo desportivo, este de natureza acessória à respectiva relação de emprego (art. 28, caput e § 5º, da Lei 9.615/1998, com redação dada pela Lei 12.395/2011). Assim, na cessão temporária do atleta profissional, o que se negocia é o direito federativo.
Regulada nos artigos arts. 38, 39 e 40 da Lei 9.615/1998, a cessão temporária do atleta tem como requisitos necessários: a pactuação escrita, a anuência expressa do atleta, duração, o objeto contratual. Ainda, das disposições contidas no art. 39 da referida Lei, notadamente, da regra inserta no seu § 2º, verifica-se que o legislador buscou evidenciar a independência do contrato firmado entre o atleta e o clube cedente (contrato originário) daquele pactuado entre o atleta e o clube cessionário.
Nesse aspecto, o contrato de cessão temporária constitui um negócio jurídico trilateral: clube cedente, detentor do contrato especial de trabalho original; o clube cessionário, que firmará com o atleta novo contrato de trabalho; o atleta.
Nas palavras de Carlos Eduardo Ambiel “no caso do atleta, a cessão temporária não prejudica o contrato original com o cedente, que permanece existindo, embora com a possibilidade de suspensão dos efeitos até seu restabelecimento, ao término do empréstimo”.
Assim, o contrato de cessão temporária enseja:
(a) quanto ao clube cedente, a suspensão total ou parcial dos seus efeitos do contrato especial de trabalho desportivo, caso resulte – quanto ao período de empréstimo – estabelecido, respectivamente, a responsabilidade integral do clube cessionário pelo pagamento da remuneração e demais encargos trabalhistas do atleta ou a responsabilidade integral ou parcial pelo pagamento das parcelas trabalhistas pelo clube cedente;
(b) quanto ao clube cessionário, a negociação e pactuação de um novo contrato de trabalho, distinto e independente daquele firmado com o clube cedente. Especificamente à responsabilidade do clube cedente pelo pagamento de parcelas trabalhistas não adimplidas pela entidade de prática desportiva cessionária, essa somente ocorrerá quando expressamente avençado no contrato de cessão temporária ou quando o atleta proceder à notificação do clube cedente para, querendo, purgar a mora, no prazo de 15 dias (art. 39, caput, da Lei 9.615/1998).
Na hipótese, o Reclamante ajuizou a presente ação apenas em face o Fluminense Football Club – entidade desportiva cedente, sendo que da leitura do acórdão regional extraem-se os seguintes elementos fáticos:
(a) são fatos incontroversos que o Reclamante durante o contrato de trabalho foi cedido para diversos clubes e que a ausência de depósitos de FGTS ocorreu exatamente nesses períodos;
(b) em face da prescrição quinquenal, o Reclamante requereu o pagamento do FGTS correspondente ao período de agosto/2011 a junho 2014;
(c) os contratos de empréstimos fixaram a responsabilidade dos cessionários pelo pagamento integral da remuneração do atleta, bem como os depósitos do FGTS, as retenções de imposto de renda, contribuições sindicais e demais encargos trabalhistas e tributários;
(d) estabelecem, ainda, os contratos de cessão que “em caso de qualquer descumprimento contratual por parte do Cessionário, este se obriga, a exclusivo critério do Cedente, a liberar imediatamente o Atleta, para o cumprimento do restante do prazo do contrato especial de trabalho desportivo, que mantém com o Cedente, cessando de imediato os efeitos do presente contrato, sem que o Cessionário tenha direito a qualquer ressarcimento de valores que tenha eventualmente pago ao Cedente ou ao Atleta. Não o fazendo, o Cessionário pagará multa diária, não compensatória, de atraso no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), sem prejuízo de eventuais perdas e danos”.
Dos elementos fáticos anteriormente delineados, observa-se que os contratos de cessão estabeleceram, pelos períodos das respectivas cessões, a responsabilidade única e integral dos clubes cessionários pelo pagamento da remuneração do atleta, bem como os depósitos do FGTS, as retenções de imposto de renda, contribuições sindicais e demais encargos trabalhistas e tributários.
De outro lado, o acórdão recorrido não noticia que o Reclamante tenha, nos termos do art. 39, caput, da Lei 9.615/1998, procedido à notificação do clube cedente para, querendo, purgar a mora, no prazo de 15 dias. Acentue-se, outrossim, que ao contrário do entendimento adotado pelo TRT, o fato de o contrato de cessão temporária não prejudicar o contrato original com o Reclamado – clube cedente -, que continuou existindo, todavia com seus efeitos suspensos, não acarreta, por si só, na responsabilidade deste pelo pagamento dos valores inadimplidos pelos clubes cessionários.
Nesse cenário, não há que se falar na responsabilidade do Reclamado – clube cedente – pelo recolhimento do FGTS não efetivados pelos clubes cessionários. Recurso de revista conhecido e provido.”
(TST-RR-101444-72.2016.5.01.0031, 3ª Turma, rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, julgado em 19/10/2022)
“RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO SEM REDUÇÃO DA REMUNERAÇÃO E SEM COMPENSAÇÃO DE HORÁRIOS. SERVIDORA PÚBLICA CELETISTA. FILHA MENOR DIAGNOSTICADA COM TRANSTORNOS DE ESPECTRO AUTISTA, DE LINGUAGEM RECEPTIVA, EXPRESSIVA E DE LEITURA. NECESSIDADE DE ACOMPANHAMENTO PARA ATIVIDADES MULTIDISCIPLINARES E TRATAMENTOS MÉDICOS E TERAPÊUTICOS. POSSIBILIDADE.
No caso, o Tribunal Regional do Trabalho manteve a sentença, que julgou improcedente a pretensão da Reclamante, servidora pública celetista, de ter a jornada de trabalho reduzida sem redução da remuneração e sem compensação de horário, para cuidados especiais de sua filha menor, que possui Transtorno de Espectro Autista (AUTISMO), Transtorno de Linguagem Receptivo e Expressivo e Transtorno de Leitura.
Entendeu a Instância Ordinária que a Administração Pública está pautada no princípio da legalidade, sendo que a ausência de previsão legal para a redução da carga horária de empregados públicos responsáveis por pessoas com deficiência impede a concessão do pleito autoral.
Diante desse contexto, observa-se que a decisão do TRT está em dissonância com o entendimento desta Corte sobre a matéria.
Esclareça-se que, de fato, inexiste legislação estadual que atribua à Reclamada o dever de redução da jornada da Reclamante na situação retratada na hipótese.
Contudo o fenômeno do Direito — sua referência permanente à vida concreta — importa no constante exercício pelo operador jurídico de três métodos específicos e combinados de suma relevância para resolução de situações como a que se apresenta: a interpretação jurídica, a integração jurídica e, finalmente, a aplicação jurídica. Especificamente sobre a integração jurídica, processo lógico de suprimento das lacunas percebidas nas fontes principais do Direito em face de um caso concreto, mediante o recurso a fontes normativas subsidiárias, tem-se que tal instituto permite atender ao princípio da plenitude do arcabouço jurídico, informador de que a ordem jurídica sempre terá, necessariamente, uma resposta normativa para qualquer caso concreto posto a exame do operador do Direito.
Nesse sentido, dispõe o art. 8º, caput, da CLT – além do Decreto n. 4.647/1942, LINDB, (arts. 4º e 5º) e do Código de Processo Civil de 2015 (art. 140) -, que: “As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais do direito, principalmente do direito do trabalho e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”.
Partindo dessas premissas é que o ordenamento jurídico brasileiro deve ser analisado, ou seja, de forma congruente e organicamente integrado. Deve ser pesquisada, nos preceitos normativos já existentes sobre a matéria discutida, a noção que faça sentido, tenha coerência e seja eficaz na solução do caso concreto.
Nesse sentido, na análise dos direitos concernentes às pessoas com deficiência e aos seus responsáveis – que foram estruturados por um conjunto normativo nacional e internacional -, deve ser considerado não só o princípio da legalidade, restrito à Administração Pública (art. 37 da CF), mas também a exegese dos princípios constitucionais da centralidade da pessoa humana, da dignidade (art. 1º, III, da CF) e da proteção à maternidade e à infância (art.6º da CF).
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 227, acolheu inteiramente os fundamentos da aclamada doutrina internacional da proteção integral e prioritária da criança, do adolescente e do jovem, inaugurando, no ordenamento jurídico brasileiro, um novo paradigma de tratamento a ser destinado ao ser humano que se encontra na peculiar condição de pessoa em desenvolvimento.
Nessa linha, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus mais diversos artigos, prevê, como direito fundamental, a proteção integral da criança e do adolescente para que lhes seja facultado o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, sem qualquer tipo de discriminação. Atribui não só à família, mas à sociedade em geral e ao Poder Público o dever de “assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária” (art. 4º, caput).
Além dos citados dispositivos, em 2008, foi integrada ao ordenamento brasileiro, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinado em Nova Iorque, pelo Decreto Legislativo 186/2008, com hierarquia de direito fundamental (art. 5º, § 3º, da CF).
Nessa Convenção, os Estados Partes, especificamente para as crianças e adolescentes, comprometeram-se a adotar medidas necessárias para o pleno exercício de todos os direitos humanos, liberdades fundamentais, igualdades de oportunidades (art. 7º, item 1), sendo que, para a criança com deficiência, destacou inclusive que “o superior interesse da criança receberá consideração primordial” (art. 7º, item 2)”.
No mesmo artigo, foi assegurado que as crianças com deficiência “recebam atendimento adequado à sua deficiência e idade, para que possam exercer tal direito”. Reforçando tal quadro de proteção, a Convenção apresenta outros dispositivos que expõem claramente o compromisso do sistema jurídico em proporcionar igualdade de direitos à criança com deficiência, assegurando suporte às famílias (art. 23, item 3), padrão de vida e proteção social adequados (art. 28), entre outras garantias. Consigne-se que a Lei nº 13.146/2015 – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência –, em seu art. 8º, assentou que é dever, não só da família, mas também do Estado, assegurar a essas pessoas, com prioridade, diversos direitos inerentes à vida, à saúde, à alimentação, à dignidade, ao respeito e principalmente à convivência familiar. Ainda nessa esteira, em 2012, foi publicada a Lei 12.764, que “institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista”, prevendo diretrizes específicas para “a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes” (art. 2º).
Destaca-se, também, o art. 1º, § 2º, da referida lei, que considera o autismo como uma deficiência, e o art. 3º, I, que estabelece, como direitos da pessoa com transtorno do espectro autista, a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer.
Em suma, a ordem jurídica dispõe de várias normas que concretizam as disposições constitucionais de amparo à criança, sobretudo aquela que demanda da família e do Estado uma atenção especial.
Nesse contexto legal, não pode prevalecer qualquer ato que venha a impedir a proteção e a inclusão social da criança. De outra face, devem ser relevados os métodos de interpretação e integração para a efetividade do ordenamento jurídico, como já referido anteriormente. Conquanto a Lei 8.112/1990 trate dos direitos dos empregados públicos estatutários da União, não se pode olvidar da finalidade com que o art. 98, § 3º, da citada norma foi alterado pela Lei 13.370/2016.
Esse dispositivo – por analogia e por integração normativa – mais as normas citadas formam um conjunto sistemático que ampara a pretensão da Reclamante.
Interpretando o referido artigo, constata-se que foi intensificada a proteção do hipossuficiente, na forma do art. 1º, III e IV, e 227 da CF – garantia que deve ser prestigiada e aplicada, não obstante a especificidade do ente político que teve a iniciativa legislativa.
Nessa linha de intelecção é que esta Corte Superior vem decidindo reiteradamente que o responsável por incapaz, que necessite de cuidados especiais de forma constante, com apoio integral para as atividades da vida cotidiana e assistência multidisciplinar, tem direito a ter sua jornada de trabalho flexibilizada sem prejuízo da remuneração, com vistas a amparar e melhorar a saúde física e mental da pessoa com deficiência.
Alcançam-se, desse modo, os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho, entre outros direitos sociais, normas nacionais e internacionais que amparam a criança, o adolescente e a pessoa com deficiência. Julgados desta Corte que perfilham a mesma diretriz. Recurso de revista conhecido e provido.”
(TST-RR-1001543-10.2017.5.02.0013, 3ª Turma, rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, julgado em 19/10/2022)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROMOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. MATÉRIA RELACIONADA AO DESCUMPRIMENTO DAS NORMAS DE HIGIENE E SAÚDE NO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. SÚMULA Nº 736 DO STF.
Discute-se a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho contra o Estado da Bahia e cuja pretensão é a observância e o cumprimento das normas de higiene e segurança dos trabalhadores em hospitais do Estado em questão.
No caso, o Regional considerou que “a Emenda Constitucional 45/2004 atribuiu a esta Justiça Especializada competência para processar e julgar ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendendo também a ação civil pública que visa à tutela de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, e à responsabilização por danos causados ao meio ambiente de trabalho e à dignidade dos trabalhadores”.
Destacou a Corte de origem que “a controvérsia trazida a lume na presente lide diz respeito às condições de higiene e segurança de labor, fato reconhecido pelo Reclamado no que se refere à existência de trabalhadores submetidos ao regime celetista no ambiente laboral objeto de questionamento pelo Parquet” (grifou-se).
Nesse contexto, com fundamento na Súmula nº 736 do STF, o Tribunal a quo concluiu pela competência da Justiça do Trabalho para o julgamento da demanda em exame. Ressalta-se que o entendimento consolidado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, consubstanciado na Súmula nº 736, firmou-se no sentido de que “compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores”.
Com efeito, independentemente da natureza jurídica do vínculo entre as partes, em se tratando de ação que versa sobre o cumprimento de normas de saúde, higiene e medicina do trabalho, como é o caso dos autos, a competência é da Justiça do Trabalho.
Por estar o acórdão regional em consonância com a jurisprudência prevalecente nesta Corte superior, não há falar em ofensa ao artigo 114, inciso I, da Constituição da República, além de ser inviável o exame da divergência jurisprudencial suscitada, nos termos do artigo 896, § 7º, da CLT e da Súmula nº 333 do TST. Agravo de instrumento desprovido.”
(TST- AIRR-547-81.2017.5.05.0001, 3ª Turma, rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, julgado em 19/10/2022)
“[…] VÍNCULO DE EMPREGO – CONSELHO REGIONAL DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL – NECESSIDADE DE INGRESSO POR CONCURSO PÚBLICO – EFICÁCIA EX TUNC DA ADI-1717-6/DF. (violação aos artigos 37º, II, §2º, da CF/88, e 58 da Lei nº 9.649/98, contrariedade à ADI-1717-6/DF e divergência jurisprudencial)
Cinge a controvérsia acerca da personalidade jurídica dos Conselhos Regionais de Fiscalização Profissional e a necessidade de aprovação em concurso público para o ingresso nos seus quadros.
Com efeito, a atual jurisprudência da SBDI-1 desta C. Corte, perfilhando o entendimento firmado pelo E. STF, tem adotado a tese de que os conselhos regionais de fiscalização do exercício profissional possuem personalidade jurídica de direito público.
Isto se justifica tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI-1717-6/DF (Relator: Ministro Sydney Sanches, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, publicado em DJ de 28/03/2003), declarou a inconstitucionalidade do caput e parágrafos do artigo 58 da Lei nº 9.649/98, asseverando que “a interpretação conjugada dos artigos 5º, XIII, 22, XVI, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados”.
Ademais, aquela Suprema Corte, tem pacificado o entendimento de que os conselhos de fiscalização profissional, ostentando personalidade jurídica de direito público, submetem-se ao comando estabelecido no artigo 37, II, da Constituição Federal, com relação à obrigatoriedade de aprovação prévia em concurso público para o ingresso nos seus quadros.
Entretanto, para a modulação dos efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal, a SBDI-1 desta Corte, ao julgar o Processo nº E-RR – 84600-28.2006.5.02.0077, adotou como actio nata para aplicação dos princípios que norteiam o administrador público, a data do trânsito em julgado da ADI-1717-6/DF, qual seja, 28/03/2003, eis que anteriormente pairavam dúvidas acerca da natureza jurídica dos conselhos de fiscalização profissional.
Contudo, o Supremo Tribunal Federal tem decidido que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos analisados na ADI 1.717-6 são “ex tunc”, uma vez que não houve ressalva quanto à modulação dos efeitos da decisão pelo STF.
Precedentes da Suprema Corte.
Assim, diante das decisões do STF, mesmo que se trate de admissão anterior ao julgamento da ADI 1717-6/DF, prevalece o entendimento no sentido de que os conselhos de fiscalização profissional possuem personalidade jurídica de direito público, inclusive sendo indispensável a aprovação em concurso público para ingresso em seus quadros.
Precedentes do STF, da SBDI-II e de Turmas desta Corte. Recurso de revista não conhecido.”
(TST-ARR-237-74.2015.5.17.0013, 7ª Turma, rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, julgado em 19/10/2022)
“RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. LEI Nº 13.467/2017. COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO EM FACE DE MUNICÍPIO. DESCUMPRIMENTO DE NORMA DE SAÚDE, HIGIENE E SEGURANÇA. PRECEDENTES. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA CONSTATADA.
No sistema jurídico contemporâneo, uma das mais relevantes normas, dirigida à proteção à saúde do empregado – ainda que pouco valorizada do ponto de vista doutrinário, jurisprudencial e mesmo de atuação sindical na elaboração de acordos e convenções coletivas de trabalho – está prevista no artigo 7º, XXII, da Constituição da República, que assegura o direito à proteção dos riscos que o trabalho proporciona.
Trata-se de direito multiforme, de natureza individual simples, individual homogênea e até mesmo difusa, em que se busca estabelecer diretriz a ser observada por tantos quantos a norma se dirija, no sentido de promover ações em concreto para minimizar as consequências que o labor propicia.
São os denominados direitos de terceira dimensão, que ultrapassam a individualidade do ser humano, interessando a toda uma coletividade. Não só os indivíduos têm direitos; os grupos também os têm.
Nesse tipo de direitos, não há titulares individualizados, por isso são considerados supra ou meta-individuais. Dizem respeito a anseios e/ou necessidades de grupos relativamente à qualidade de vida, como o direito à saúde, à qualidade e segurança dos alimentos e utensílios, à correta informação, à preservação do meio ambiente etc.
Nesse panorama jurídico encontra-se o dever atribuído ao empregador de cumprimento das normas de proteção ao trabalho, delineado no artigo 157 da CLT, especialmente nos incisos I e II, que lhe impõe – aqui associado ao conceito de empresa – a obrigação genérica de atendimento às normas relativas à segurança e medicina do trabalho, além de também incluir o dever de informação – ou “de instrução”, como preferiu o legislador – no tocante aos procedimentos preventivos a serem adotados na execução do labor.
Evidente que tais normas se dirigem primordialmente às relações de emprego, mormente porque previstas na CLT ao lado de outras, a exemplo do disposto nos artigos 160, 162, 163, 165 e 168.
Nesse contexto, a conjugação dos preceitos contidos nos incisos I e VI do artigo 114 da Constituição Federal autoriza concluir que o constituinte reformador ampliou sobremaneira tais horizontes, razões pelas quais incumbe à Justiça do Trabalho a competência para julgar ações dirigidas ao cumprimento de normas de medicina do trabalho, ou voltadas à proteção do meio ambiente do trabalho, ou mesmo a propiciarem a redução dos riscos do trabalho, propostas pelo responsável pelo respectivo cumprimento, ainda que se trate da administração pública.
Na espécie, trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho de obrigações consistentes em medidas assecuratórias de direitos sociais dos trabalhadores, inclusive estatutários.
O Supremo Tribunal Federal e esta Corte Superior Trabalhista firmaram jurisprudência no sentido de reconhecer que, em situações excepcionais, o Poder Judiciário pode determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do Princípio da Separação de Poderes.
Acresça-se que a atuação do Ministério Público do Trabalho no sentido de garantir o cumprimento de obrigações relativas à saúde, à segurança e à proteção dos trabalhadores não enseja ingerência em questão que envolva o poder discricionário do Poder Executivo, sem quebra do Princípio da Separação de Poderes. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido.”
(TST-RR-1047-84.2018.5.20.0005, 7ª Turma, rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, julgado em 19/10/2022)
“[…] III – RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMANTE NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. TRANSCENDÊNCIA SOCIAL RECONHECIDA. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. INDENIZAÇÃO DO ART. 4º DA LEI 9.029/95. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRÁTICA DISCRIMINATÓRIA E LIMITATIVA DA MANUTENÇÃO DA RELAÇÃO DE TRABALHO POR MOTIVO DE SEXO E DE ESTADO CIVIL.
1 – A reclamante busca a reversão da dispensa ocorrida em razão de desentendimentos entre o ex-empregador e o seu marido que trabalhava na mesma empresa. O Tribunal Regional entendeu que não restou comprovada a prática de “ato intencional de ofender ou menosprezar a reclamante, mormente porque a discussão provocativa ocorreu antes da menção à sua pessoa e entre o seu marido e o ex-empregador”, e que “somente a conversa mantida entre o marido da reclamante e seu ex-empregador não possui o condão de caracterizar dispensa discriminatória”.
2 – Pelo que se extrai dos elementos fáticos registrados no acórdão regional, a trabalhadora foi claramente despedida por retaliação e discriminação, pois o empregador refere-se à mulher trabalhadora, sua empregada, e ao seu marido, de forma depreciativa e discriminatória, o que nem de longe se insere no poder diretivo do empregador.
3 – No caso, denota-se a discriminação pelo fato de o empregador ter mencionado na discussão que não queria na empresa “esse tipo de gente”, de forma pejorativa. A dispensa também demonstra total desconsideração à mulher enquanto pessoa humana e enquanto gênero, ignorando a sua identidade, seus direitos e seus atributos enquanto trabalhadora. A atitude patronal busca atingir ao mesmo tempo o marido e a mulher, por meio da dispensa da trabalhadora perpetrada por meio de um recado, o que atinge também a sociedade e demonstra clara discriminação de gênero.
4 – Conforme orientação formulada pelo Conselho Nacional de Justiça, por meio do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero 2021, o Poder Judiciário deve ficar atento de maneira a não minimizar “a relevância a certas provas com base em uma ideia preconcebida sobre gênero”, sendo importante “refletir sobre prejuízos potencialmente causados” e “incorporar essas considerações em sua atuação jurisdicional”. Da mesma forma, o julgador deve considerar se existe “alguma assimetria entre as partes envolvidas” e “o que significa proteger, no caso concreto?”.
A Lei nº 9.029/95 proíbe “a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros”.
A reclamante foi dispensada por meio de um recado, após incompatibilidade do empregador com seu marido, fato que indiscutivelmente levou à despedida arbitrária da trabalhadora. Portanto, enquanto mulher, a trabalhadora foi considerada mera extensão do homem, o que denota a indubitável prática de ato discriminatório.
Recurso de revista conhecido e provido.”
(TST-RR-228-39.2017.5.10.0013, 8ª Turma, red. p/ acórdão Min. Delaíde Alves Miranda Arantes, julgado em 19/10/2022)
“[…] IV – RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELOS RECLAMADOS NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PROMESSA FRUSTRADA DE CONTRATAÇÃO. FIXAÇÃO DE VALOR EXORBITANTE (R$ 300.000,00). TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA.
1. O Tribunal Regional fixou a indenização por danos morais em razão da promessa frustrada de contratação em R$ 300.000,00 (trezentos mil reais).
2. A jurisprudência desta Corte consolidou-se no sentido de que a majoração ou diminuição do valor da indenização por danos morais nesta instância extraordinária só serão admitidas em casos em que a indenização for fixada em valores estratosféricos ou excessivamente módicos, como na hipótese dos autos. Em casos em semelhantes, em razão dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, esta Corte tem estabelecido indenizações em patamares muito inferiores ao valor fixado pelo Tribunal Regional.
3. A condenação à indenização por danos morais pela frustração da expectativa da contratação fixada pela Corte de origem, não se mostra condizente com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, razão pela qual, merece provimento o recurso de revista da reclamada para reduzir o valor exorbitante da indenização de R$ 300.000,00 para R$ 100.000,00, conforme arbitrado em sentença. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido.”
(TST-RRAg-2032-97.2014.5.09.0652, 8ª Turma, rel. Min. Delaíde Alves Miranda Arantes, julgado em 19/10/2022)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RÉU. LEI Nº 13.467/2017. AUTORIZAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DO REGIME DE TELETRABALHO NO EXTERIOR. ACOMPANHAMENTO DE FILHO COM DEFICIÊNCIA. COMPATIBILIDADE DAS ATRIBUIÇÕES DO CARGO COM O TRABALHO À DISTÂNCIA. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA IGUALDADE MATERIAL E DA ADAPTAÇÃO RAZOÁVEL. APLICAÇÃO DA CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. EXTENSÃO DO DIREITO AO CUIDADOR. PONDERAÇÃO DOS INTERESSES EM CONFLITO. THE COST OF CARING. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA DA CAUSA RECONHECIDA.
1. Caso em que o Tribunal Regional deu provimento parcial ao recurso ordinário interposto pelo autor, empregado público, contratado pelo Instituto de Tecnologia da Informação e Comunicação do Espírito Santo – ITI), ora agravante, para reconhecer “o direito de exercer suas atribuições na modalidade de teletrabalho pelo prazo inicial de 06 (seis) meses.”
2. Conforme consignado pela Corte a quo, o filho do autor, de 29 anos, é portador de transtorno do espectro do autismo em grau elevado e reside na Itália com a mãe, esposa do recorrido, de quem recebe cuidados diários e permanentes para a realização de atividades básicas do cotidiano. Também está registrado que foi comprovado, mediante laudos médicos, que sua esposa vem apresentando diversos problemas de saúde (diverticulose no cólon com episódios de diverticulite e depressão) que estão prejudicando a dedicação plena necessária aos cuidados do filho, sem autonomia e totalmente dela dependente; e que, em razão da difícil situação familiar, o autor protocolou pedido administrativo junto ao réu para que pudesse realizar suas atividades em regime de teletrabalho, enquanto perdurasse o tratamento de sua esposa, pedido este indeferido. A par de tudo isso, o eg. TRT consignou que “o reclamante trabalhava no desenvolvimento de sistemas de informação, para o que não era necessária a sua presença física, dado que o atendimento das demandas é feito remotamente”, concluindo que “a realidade do contrato de trabalho do autor mostra, portanto, que o desenvolvimento de suas atividades é plenamente compatível com a prestação do labor na modalidade à distância.”
3. A Constituição Federal de 1988 consagrou a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho como fundamentos nucleares da República Federativa do Brasil (art. 1º, III e IV). A construção de uma sociedade justa e solidária e a promoção do bem de todos, sem preconceito ou discriminação, foi erigida ao status de objetivos fundamentais do Estado brasileiro (art. 3º, I e IV). Os direitos humanos foram alçados ao patamar de princípio norteador das relações externas, com repercussão ou absorção formal no plano interno (arts. 4º, II, e 5º, §§ 2º e 3º). E o princípio da isonomia, quer na vertente da igualdade, quer na da não discriminação, é o norte dos direitos e garantias fundamentais (art. 5º, caput). O Estado Democrático de Direito recepcionou o modelo de igualdade do Estado Social, em que há intervenção estatal, por meio de medidas positivas, na busca da igualdade material, de forma a garantir a dignidade da pessoa humana. O processo histórico de horizontalização dos direitos fundamentais adquiriu assento constitucional expresso (art. 5º, §1º), de modo que os valores mais caros à sociedade possuem aptidão para alcançar todos os indivíduos de forma direta e com eficácia plena. Assim, a matriz axiológica da Constituição deve servir de fonte imediata para a resolução de demandas levadas à tutela do Poder Judiciário, notadamente aquelas de alta complexidade.
4. De todo modo, a ausência de norma infraconstitucional específica não seria capaz de isentar o magistrado de, com base nos princípios gerais de direito, na analogia e nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil, reconhecer a incidência direta dos direitos sociais em determinados casos concretos. E o direito brasileiro tem recepcionado diversos documentos construídos no plano internacional com o intuito de proteger e salvaguardar o exercício dos direitos dos deficientes, com força de emenda constitucional, a exemplo da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD).
5. A CDPD estabelece como princípio o respeito pela diferença e a igualdade de oportunidades, que devem ser promovidos pelo Estado especialmente pela adaptação razoável, que consiste em ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, requeridos em cada caso. O art. 2º da CDPD estabelece ainda que a recusa à adaptação razoável é considerada forma de discriminação.
6. E considerando que seu real fundamento é coibir a discriminação indireta, seu campo de atuação não deve se restringir à pessoa com deficiência, mas alcançar a igualdade material no caso concreto, com vistas ao harmônico convívio multiculturalista nas empresas.
7. A Comissão de Direitos Humanos de Ontário realizou pesquisa e consulta pública sobre questões relacionadas ao status familiar, e seu relatório final foi denominado The Cost of Caring, que demonstrou que as pessoas que têm responsabilidades de cuidar de familiares com deficiência enfrentam barreiras contínuas à inclusão, com suporte inadequado tanto por parte da sociedade como do governo. As empresas normalmente não adotam políticas de adaptação razoável, o que acaba por empurrar os cuidadores para fora do mercado de trabalho.
8. A pessoa com deficiência que não possui a capacidade plena tem encontrado apoio na legislação, mas não o seu cuidador, o qual assume para si grande parte do ônus acarretado pela deficiência de outrem, como se ela própria compartilhasse da deficiência. Se há direitos e garantias, como por exemplo a flexibilidade de horário, àqueles que possuem encargos resultantes de sua própria deficiência, é inadequado afastar o amparo legal e a aplicação analógica aos que assumem para si grande parte desses encargos.
9. No caso concreto, para que o filho com autismo tenha acompanhamento pelo pai, já que a mãe está severamente doente, torna-se necessário adaptar a prestação de serviços à modalidade remota, conforme decidido pela Corte de origem, mormente quando constatada a plena compatibilidade das atividades executadas pelo autor com o trabalho desenvolvido à distância.
10. Ressalte-se que não se olvida que o §1º do artigo 75-C da CLT estabelece que “poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes”. Ocorre que a interpretação da norma deve ocorrer de forma associada aos demais preceitos contidos no ordenamento jurídico, notadamente, como visto, àqueles que concretizam os direitos fundamentais necessários à existência digna da pessoa com deficiência. Mantida a decisão recorrida. Agravo de instrumento conhecido e desprovido.”
(TST-AIRR-1208-69.2018.5.17.0008, 8ª Turma, rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, julgado em 19/10/2022)
“[…] DISPENSA POR JUSTA CAUSA. ART. 482, “d”, DA CLT. CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO. TRANSCENDÊNCIA SOCIAL.
1. A causa versa sobre empregado que, em face da superveniência de condenação criminal transitada em julgado, fora dispensado por justa causa, com fundamento no art. 482, “d”, da CLT.
2. Por se tratar de questão relacionada ao trabalho do condenado, como dever social e condição da dignidade humana (artigos 1º, III e IV, da CR/c/c o art. 28 da LEP), reconhece-se a transcendência social, nos termos do art. 896-A, § 1º, III, da CLT. 2. O art. 482, “d”, da CLT estabelece como justa causa para a rescisão do contrato de trabalho pelo empregador a “condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena”.
3. Por “condenação criminal do empregado, passada em julgado”, a doutrina e jurisprudência compreendem a condenação criminal cuja execução da pena impeça o empregado de continuar prestando seu ofício, não se inserindo no tipo descrito pelo dispositivo a hipótese de haver compatibilidade entre o cumprimento da pena e o exercício do trabalho contratado, medida que, inclusive, garante a ressocialização do preso e inibe a prática de novos ilícitos.
4. Significa dizer que, nas situações em que houver compatibilidade entre o cumprimento da pena restritiva de direitos e a execução do trabalho, o empregador, caso não mais tenha interesse em manter a relação de emprego, terá a faculdade de rescindir o contrato de trabalho, mas apenas na modalidade sem justa causa, com o devido pagamento das verbas rescisórias, e não por justa causa, com fundamento no art. 482, “d”, da CLT. Precedentes.
5. No caso concreto, em que pese o TRT ter afirmado que, para a tipificação da dispensa por justa causa no art. 482, “d”, da CLT, “não se trata de averiguar a possibilidade de continuidade do contrato de trabalho, mas sim a suspensão do cumprimento da sentença condenatória”, há a informação de que o reclamante fora condenado por acórdão transitado em julgado à pena restritiva de liberdade de 5 anos e 4 meses de reclusão em regime semiaberto, e que fora dispensado “no momento em que foi recolhido ao sistema prisional”. Além disso, resulta como fato incontroverso que o reclamante fora contratado para o exercício da função de vigilante/fiscal de prevenção de perdas de supermercado, com jornada de trabalho, em escala 6×1, das 14h às 22h20min – pág. 7 da inicial.
6. Ainda que o art. 33, § 2º, “b, do Código Penal estabeleça que “o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi aberto” (destaquei), o fato é que não se tem notícia dos horários fixados pelo juiz da execução para “sair para o trabalho e retornar” (art. 115 da LEP), mas apenas que a dispensa do empregado se deu no momento em que fora recolhido ao sistema prisional.
7. Se o reclamante fora conduzido ao sistema prisional, fato que evidencia a impossibilidade física de, ao menos temporariamente, continuar exercendo a função contratada e, nesse momento fora dispensado, entende-se que, no presente caso, a despeito do regime semiaberto, o empregador estava autorizado a dispensar o empregado, por justa causa, não havendo, assim, que se falar em ofensa ao art. 482, “d”, da CLT.
8. Acresça-se, em relação à divergência jurisprudencial, que dos dois arestos indicados um deles não abrange a circunstância fática descrita no v. acórdão regional, de que “a dispensa ocorreu no momento em que foi recolhido ao sistema prisional”, e o outro não faz sequer referência à existência de condenação criminal transitada em julgado. Inespecíficos, pois, nos termos da Súmula 296/TST. Recurso de revista não conhecido.”
(TST-RR-403-88.2021.5.10.0111, 8ª Turma, rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, julgado em 19/10/2022)