- DIREITO CONSTITUCIONAL – COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
Serviço de telecomunicação e proibição de oferta e comercialização de serviço de valor adicionado – ADI 6199/PE
Resumo: É inconstitucional, por violar os arts. 21, XI, 22, IV, e 48, XII da CF/1988, norma estadual que proíbe concessionárias de serviços de telecomunicação de ofertarem e comercializarem serviço de valor adicionado (SVA) (1).
Embora o SVA não constitua propriamente serviço de telecomunicação, a proibição de sua oferta e comercialização acaba por interferir indiretamente na prestação dos serviços de telecomunicação, porque restringe o plano de negócio das empresas do setor, com possíveis prejuízos para o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão.
Com efeito, a comercialização do SVA pelas empresas de telecomunicação constitui importante fonte de receita alternativa ou acessória da concessionária, integrando-se, portanto, à estrutura econômico-financeira do contrato de concessão do serviço público. Esses recursos são indispensáveis para manter a modicidade das tarifas e a qualidade dos serviços.
A regulamentação desse tipo de serviço ou de qualquer outro agregado, portanto, pode ser feita apenas pela União, em razão da sua íntima conexão econômica com o serviço de telecomunicação propriamente dito.
Com base nesse entendimento, o Plenário julgou procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade da Lei 16.600/2019 do Estado de Pernambuco.
(1) Precedentes citados: ADI 6068 e ADI 6124 ED.
- DIREITO CONSTITUCIONAL – COMPETÊNCIA LEGISLATIVA; MAGISTRATURA
Conversão dos autos de prisão em flagrante em diligência – ADI 4662/SP
Resumo: É inconstitucional norma (1) do provimento do Conselho da Magistratura estadual que proíbe o juiz de converter os autos de prisão em flagrante em diligência.
Isso porque, a norma, além de desbordar dos limites do poder regulamentar, invade a competência privativa da União para legislar sobre Direito Processual Penal (CF/1988, art. 21, I) (2).
Ademais, não há na lei processual, mesmo após as alterações introduzidas pela Lei 13.964/2019, qualquer proibição à conversão do auto de prisão em flagrante em diligência. Dessa forma, o Conselho Superior da Magistratura, a pretexto de disciplinar o bom funcionamento do plantão judiciário, indevidamente, inovou em matéria processual penal.
A possibilidade de ordenar diligências prévias consiste em prerrogativa inafastável do magistrado.
A norma impugnada também vulnera, diretamente, o princípio da independência funcional do juiz, motivo pelo qual está eivada de vício material.
O princípio da independência judicial, corolário do princípio constitucional da independência do Poder Judiciário, garante ao magistrado tomar medidas indispensáveis para a formação de sua convicção.
Isso não significa que se possa admitir a indefinida e irrazoável postergação da decisão judicial a respeito da manutenção ou não da privação de liberdade em caráter cautelar, mas sim que, excepcionalmente, havendo necessidade de se determinar diligências prévias para a formação da convicção judicial, o juiz competente, inclusive o plantonista, deve decidir o quanto antes, ou seja, com a maior celeridade possível.
Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou parcialmente procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade da expressão “vedada a conversão em diligência”, contida no art. 2º do Provimento 1.898/2001 do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e reiterada no art. 1.133 das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral de Justiça, com redação dada pelo Provimento CG 28/2019.
(1) Provimento CSM 1.898/2011: “Art. 2º- Acrescer o item 4.2 ao Capítulo XII das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça, que passa a vigorar com a seguinte redação: 4.2. Ao receber a cópia do auto de prisão em flagrante, o juiz designado para atuar no plantão, na forma do artigo 310, incisos I, II e III, do Código de Processo Penal, deverá relaxar a prisão ilegal, converter a prisão em flagrante em preventiva ou conceder a liberdade provisória, vedada a conversão em diligência.”
(2) Precedentes citados: ADI 3896, ADI 2938; e ADI 5949.
- DIREITO CONSTITUCIONAL – REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS; SANEAMENTO BÁSICO
Isenção de tarifas de água e esgoto: predominância de interesse local e competência legislativa – ADI 6912/MG
Resumo: É inconstitucional, por invadir a competência municipal para legislar sobre assuntos de interesse local (CF/1988, art. 30, I e V), lei estadual que concede, por período determinado, isenção das tarifas de água e esgoto e de energia elétrica aos consumidores residenciais, industriais e comerciais (1).
A Constituição Federal estabelece a competência comum de todos os entes federativos para a promoção de melhorias das condições do saneamento básico (CF/1988, art. 23, IX), cabendo à União instituir as respectivas diretrizes (CF/1988, art. 21, XX).
Segundo as diretrizes nacionais para o saneamento básico, fixadas pela Lei 11.445/2007 e atualizadas pela Lei do Novo Marco do Saneamento Básico (Lei 14.026/2020), compete aos municípios, responsáveis pela gestão dos assuntos de interesse local e pela edição de leis que digam respeito a esses temas, a titularidade dos serviços públicos de saneamento básico.
Não cabe às leis estaduais a interferência em contratos de concessão de serviços federal e municipal, alterando condições que impactam na equação econômico-financeira (2).
No caso, as disposições impugnadas criam obrigações e retiram prerrogativas das concessionárias de serviços públicos locais, interferindo diretamente nos contratos administrativos firmados entre o Poder Público e os particulares.
Ainda que o estado seja o acionista majoritário das empresas concessionárias dos serviços de saneamento básico, não se admite essa interferência.
Com esses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente o pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 1º, 4º, parágrafo único, e 5º da Lei 23.797/2021 do Estado de Minas Gerais que dispõe sobre a concessão, por período determinado, de isenção total das tarifas de água e esgoto e de energia elétrica aos consumidores residenciais, industriais e comerciais atingidos por enchentes no estado.
(1) Precedentes citados: ADI 1842; ADI 2077; ADI 6492; ADI 6536; ADI 6583; ADI 6882; e ADI 4454.
(2) Precedentes citados: ADI 2299; ADI 2095; STP 111 AgR; e ADI 2340.
- DIREITO CONSTITUCIONAL – REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS; MINISTÉRIO PÚBLICO
Ministério Público estadual: movimentação funcional e modelo federal – ADI 6328/GO
Resumo: É inconstitucional lei estadual que prevê movimentação funcional entre membros do Ministério Público, mediante procedimentos e critérios diversos dos estabelecidos pelo modelo federal (1).
No caso, a norma estadual impugnada define critérios para hipóteses de movimentação funcional denominadas remoção interna e permuta temporária, que são incompatíveis com o disposto na Constituição Federal e no regramento geral editado pela União (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – LONMP).
Em relação à remoção interna (2), a lei estadual oportuniza o provimento do cargo por membro que exerça outro cargo na mesma comarca, suprimindo a fase de publicação de edital para a divulgação da abertura da vaga pelo respectivo Conselho Superior constante do art. 62 da LONMP (Lei 8.625/1993). Ademais, a norma estadual dispõe que a remoção interna deve observar o critério de antiguidade na comarca. A LONMP não prevê o critério de antiguidade na comarca como solução para concorrência entre membros do Ministério Público para o provimento de cargo vago. Essas regras estaduais não apenas suprimem a fase de publicação de edital da LONMP, como privilegiam os promotores de mesma categoria ou entrância do cargo vago em detrimento de outros que sejam da mesma entrância, porém de outra comarca, em vulneração aos princípios da isonomia e da impessoalidade.
Quanto à remoção por permuta (3), a temporalidade prevista pela norma local cria figura nova de movimentação funcional, uma vez que o art. 64 da LONMP não estatui a reversão da permuta apenas em razão do decurso do tempo. Ao tratar da “renovação de remoção por permuta somente permitida após o decurso de dois anos”, o inciso II do referido art. 64 se refere a eventual nova pretensão de movimentação funcional, pelo mesmo fundamento. Portanto, o interstício de 2 anos é previsto na LONMP como impeditivo da realização de nova permuta, e não como um limite temporal para a eficácia da permuta, como pretendido pelo legislador estadual.
Além de os dispositivos impugnados incorrerem em inconstitucionalidade formal por invasão da competência da União para a definir normas gerais para os Ministérios Públicos estaduais (CF/1988, art. 61, § 1º, II, d), sob o aspecto material, violam o que previsto pela Constituição Federal para a progressão e movimentação funcional de magistrados (CF/1988, art. 93, II e VIII-A), quanto aos critérios de antiguidade e merecimento, os quais se estendem aos membros do Ministério Público (CF/1988, art. 129, § 4º).
Com esses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente o pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar 113/2014 do Estado de Goiás, no que introduziu os arts. 167-A e 169-A à Lei Complementar 25/1998 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Goiás).
(1) Precedentes citados: ADI 3783; ADI 6294; ADI 5402; AO 1789; ADI 3698; ADI 6779; AO 2548; ADI 4758; e RE 1037926 (Tema 964 RG).
(2) Lei Complementar 25/1998 do Estado de Goiás: “Art. 167-A. A remoção interna é forma de provimento anterior à fixação de critérios pelo Conselho Superior do Ministério Público e à publicação do respectivo edital. (…) § 3º Na remoção interna adotar-se-á o critério da antiguidade na comarca.”
(3) Lei Complementar 25/1998 do Estado de Goiás: “Art. 169-A. A remoção por permuta temporária entre membros do Ministério Público da mesma entrância ou categoria dependerá de pedido escrito e conjunto, formulado pelos interessados ao Conselho Superior do Ministério Público, que poderá ser indeferida por motivo de interesse público. § 1º A permuta temporária terá duração de dois anos, prorrogável por igual período, observadas as disposições do caput.”
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo nº 1063/2022. Disponível em <https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/informativoSTF/anexo/Informativo_PDF/Informativo_stf_1063.pdf>